Escrito
por ALLAN FEAR
CAPÍTULO
1
“Oh!
Como sofro no limiar da agonia humana. Sou atormentado por ecos de gritos
estrangulados. Padeço nas mais abissais trevas infernais.”
Samuel
leu as palavras rabiscadas em uma folha de papel que havia acabado de ser
psicografada pela médium, a Sra. Fausta, sentada ao seu lado em estado de
transe. Era mais uma noite de conversa com o além na casa de Samuel, onde
várias pessoas se reuniam ao redor de uma grande mesa.
Naquela
fria noite de inverno um espírito sofredor que se apresentou como Getúlio,
relatava sua nova condição na erraticidade após haver vivido na terra como um
grande conde.
“Quando
ainda vivo, possuidor de muitas riquezas e sabendo que minha família tramava
contra mim, querendo se apossar de minhas honrarias, eu, muito astuto, peguei
todo meu ouro e, na calada da mais negra das noites, cavalguei rumo a túneis
secretos que havia descoberto...”
Samuel
lia em voz alta o texto psicografado a medida que a médium terminava de
escrever em uma folha de papel e passava para a próxima.
“...Mas após esconder toda minha
fortuna em uma câmara secreta, uma maldita serpente saiu das trevas do aposento
e picou minha perna. Sozinho eu padeci ante o mortal veneno.”
“Eu
preciso de um homem corajoso que se aventure naquelas terras malditas ao sul da
Geórgia para resgatar meu corpo e conceder-me um funeral digno. Em troca
dar-te-ei todo meu ouro que lá se esconde junto aos meus restos mortais. Eu me
vou por hora, regressarei para meu sofrimento junto aos meus despojos que,
incansavelmente, são devorado pelos vermes.”
A médium foi liberada do transe,
sentindo-se ainda meio atordoada. Todos à mesa se entreolhavam enquanto um
silêncio sepulcral imperava no aposento.
-Estive consciente e pude ouvir cada
palavra escrita pelo espírito Getúlio, - Começou a médium, Sra. Fausta. -Mas
não devemos crer em tudo que nos revelam os seres do além, é preciso muita
cautela. Faremos uma oração em sua memória e que ele possa encontrar a paz do
lado de lá.
***
Após o termino da
sessão espírita, todos se foram e o dono da casa, Sr. Samuel, se reuniu com seu
sobrinho Herman, um rapaz de 23 anos que havia começado a doutrinação para se
tornar médium, mas desistiu. Era jovem e apenas ajudava o tio com os
preparativos para as sessões.
-Eu quero que tente receber o
espírito de Getúlio.- Disse Samuel com um brilho estranho faiscando em seus
olhos verdes. Ele coçou sua barba espessa e exibiu um sorriso.
-Por mim tudo bem, hoje à noite não
tenho mais nada para fazer. Mas o que mais o Sr. espera desse espírito? Ele parece
um embusteiro.
-Eu quero a localização de onde ele
escondeu seu tesouro. -Sussurrou Samuel apoiando-se no encosto de uma cadeira.
-É nossa chance de mudar de vida sobrinho!
CAPÍTULO 2
Herman
sentou-se à mesa com um lápis na mão direita sobre uma folha branca de papel e
invocou o espírito de Getúlio.
Por
um instante nada aconteceu. Samuel sentado ao lado do sobrinho se corroía de
impaciência. Ansiava por estabelecer a comunicação com o além.
O
silêncio que envolvia os dois homens foi quebrado quando a mão de Herman
começou a tremer compulsivamente, quebrou o lápis ao meio e em seguida rugidos
ferozes começaram a sair de sua boca quando ele caiu no chão, possesso, tomado
por uma força sobrenatural.
CAPÍTULO 3
Samuel
estava aturdido, ergueu-se de seu assento e se afastou do rapaz que se
contorcia no chão entre gemidos e rangeres de dentes.
-Oh! Eu sofro!! Mais uma vez eu me faço
carne. Por que me invocaste? O que queres de mim? -
Perguntou Herman em uma voz sofrida, arrastada. Tinha o semblante contorcido,
seus olhos tinham um brilho sombrio e seus dedos estavam meio curvados.
-Sois
Getúlio, o espírito que se manifestara a pouco através da Sra. Fausta? -
Indagou Samuel sentindo à guisa da emoção invadir seu peito, sobrepondo o reles
medo ao ver a face do sobrinho desfigurada pela possessão.
-Sim!
-Desejo
fazer um acordo contigo, revele-me a localização de seu corpo que irei até lá,
o resgatarei e dar-te-ei um funeral digno no melhor cemitério que escolher. -
Disse Samuel encarando o possesso e exibindo um sorriso ganancioso. -Em troca
ficarei com vosso ouro, já que no além não precisas mais dele.
O
sobrinho possesso sorriu, estendeu e mão e se cumprimentaram, fechando aquele
acordo de além-túmulo.
CAPÍTULO 4
Ainda no crepúsculo Samuel e Herman
cavalgaram em uma carruagem rumo ao local indicado pelo espírito. Ficava a
cerca de duas horas de viagem, nos vales desertos da Geórgia. Samuel estava
enfeitiçado pela cobiça, não via a hora de se apossar de todo o ouro do falecido
Getúlio.
As duas horas pareceram dias para o
homem nervoso e ansioso. Ele sequer prestou atenção ao belo amanhecer quando o
sol jorrou seus raios vívidos sobre a terra. Lagos e bosques belíssimos
passaram desapercebidos enquanto ele ordenava que seus dois corcéis negros avançassem
sem parar.
Tal qual o espírito havia lhe
revelado, lá estavam as três pedras no alto de uma colina e além delas uma
descida íngreme que conduziria aos túneis secretos.
Samuel desceu da carruagem, acordou
Herman que dormia em seu interior, apossaram-se de suas bagagens com
ferramentas caso fosse necessário e desceram pelo estreito caminho do
desfiladeiro.
O dia era frio e sombrio, o sol não
mais brilhava e o céu estava encoberto por nuvens escuras e sinistras. O dia havia
se tornado uma noite negra e fria. Um vento gélido soprava congelando suas
faces.
Depois de quase vinte minutos
caminhando ladeira abaixo, os dois homens chegaram à estrada do túnel. Era
baixa como dissera o espírito, um deslizamento de terra a cobria até a metade.
Samuel e Herman acenderam seus
lampiões e se esgueiraram pela entrada do túnel, cortando a escuridão com suas
chamas pálidas.
Seguiram pelo túnel sinuoso e frio e
viraram a primeira direita como lhes orientara o espírito, então, mais a
frente, avistaram uma grande e pesada porta de aço. Lá estava a câmara do
tesouro.
Samuel começou a correr, estava
louco para pôr as mãos nas muitas moedas de ouro que o aguardavam.
CAPÍTULO
5
Samuel adentrou a
porta estreita seguido por seu sobrinho. Um abominável cheiro de podridão
invadiu suas narinas, sufocando-os.
Os
dois homens avançaram para dentro da câmara quando Samuel sentiu que um de seus
pés afundou em uma pedra no chão e em seguida ouviu-se um baque muito forte.
OS
homens olharam para trás e à luz de seus lampiões, viram que a pesada porta de
aço havia se fechado.
Herman
assustado foi verificar o que havia acontecido enquanto que Samuel cobriu o
nariz com o braço e foi iluminando a grande câmara em busca do tesouro.
Lá
estava o baú cheio de moedas de ouro aos pés de um trono onde um esqueleto
coberto de joias e uma coroa dourada se assentava.
-Estamos
presos aqui Tio Samuel. - Gritou Herman com o terror se apossando de sua voz.
-A porta está emperrada!
Mas
Samuel não ouviu uma única palavra do que disse seu sobrinho. Ele só conseguia
pensar no ouro, seu ouro.
Mas
quando avançou para se apoderar do tesouro, Samuel tropeçou em algo e quando
iluminou o chão viu o defunto apodrecido caído sobre o solo.
Foi
então que o terror tomou conta de Samuel. Erguendo seu lampião ele pôde
contemplar todo o horror nefasto que decorava aquele aposento cheio de
trevas.
O
odor de podridão não era emanado apenas do cadáver assentado em seu trono, mas
de centenas de corpos humanos espalhados por todo o recinto com suas faces
horrendas congeladas em tenebrosos gritos de pavor.
CAPÍTULO 6
Samuel gritou a todo
pulmão, um grito de horror. Então correu para o baú do tesouro para se apossar
de cada centavo, mas parou quando ouviu a gargalhada infernal surgir às suas
costas.
-Seu
maldito espírito da mentira, o que é tudo isso? - Indagou Samuel ao se virar e
encarar seu sobrinho, novamente possesso, os dentes rangendo e gemendo enquanto
sua face se desfigurava em uma carranca tenebrosa.
-Bem-vindo à minha câmara mortuária. - Falou
o possesso em sua voz medonha. -Quando vivo eu era um assassino em série,
gostava de matar pessoas e esconder seus corpos nesta câmara secreta. Mas não
demorou as autoridades desconfiarem de mim e colocarem um prêmio por minha
cabeça. Fui ferido, não por uma serpente é claro, mas numa troca de tiro, mas
enquanto ainda havia vida em meu corpo, vim para cá. Um bom lugar para morrer.
-Imaginas minha surpresa que após morrer eu
descobri que havia vida do outro lado. Foi então que, após anos de perturbação,
comecei a entender como as coisas funcionavam deste lado do véu. Pena que uma
força desconhecida me impede de matar as pessoas quando possuo um corpo como
agora, pois que adoraria torcer seu pescoço, seu velho ganancioso. Mas então eu
descobri as armadilhas que havia neste lugar e como atrair velhacos como vocês.
-Não,
seu miserável!! - Gritou Samuel após ouvir apavorado cada palavra que o
possesso dizia. –Você não vai me pegar, eu fugirei e levarei todo seu tesouro.
Samuel
correu em direção a porta na esperança de arrombá-la. Mas a pesada porta não se
moveu.
-Ah! Seu velhote!! Não banque o tolo. Você e
seu sobrinho morrerão aqui, mesmo que eu não possa torcer seus pescocinhos, eu
posso matá-los indiretamente e continuar meu legado homicida de além-túmulo e
me tornar o maior serial killer da história.
Samuel
esmurrou a porta com todas as suas forças, tentou as ferramentas que havia
trago, mas de nada adiantou. Foi quando ele começou a ofegar e percebeu que o
oxigênio estava acabando.
Um
sorriso frio e cruel brilhava nos lábios de Herman quando Samuel o encarou
tomado pelo horror.
O
corpo de Herman desfaleceu e tombou sobre o chão e então Samuel, quase perdendo
a consciência devido à falta de oxigênio, pôde contemplar o espírito que possuía
seu sobrinho. A entidade tinha uma silhueta humana, porém sua face era
descarnada tal qual seu cadáver e em seu corpo havia muitas faces humanas com
expressão de horror indizível.
Antes
de se entregar ao amargo sono da morte, Samuel compreendeu que todo o
sofrimento que aquele espírito havia relatado, não era dele, mas sim de suas vítimas,
cujas almas atormentadas jaziam presas naquela câmara mortuária de horror.
Pobre
e ganancioso Samuel, ele queria tanto o tesouro do morto que negligenciou o
cuidado mais básico e indispensável ao praticar necromancia: Não acreditai
cegamente em todos os espíritos, desconfiai daqueles que, astutamente, tentarão
envaidecer seu ego e arrastar-te para a perdição.

0 Comentários