Escrito
por ALLAN FEAR
CAPÍTULO
1
Depois de enfrentar uma
fila de três pessoas, a Jovem Neide colocou a garrafa de Coca-Cola sobre o
balcão, esperou que a simpática senhora com gorro de Papai Noel a registrasse,
em seguida entregou uma nota de dez para ela, pegou o refrigerante, enfio-o num
saco de papel e deixou o estabelecimento.
-Hey, seu troco! – Neide ouviu a simpática velhinha
gritar, mas não deu importância. Uma lufada de ar frio do início da noite
soprou contra sua face enquanto a neve caía silenciosamente sobre a rua.
Diversas lojas ornamentadas para aquela noite de Natal
exibiam seus pisca-pisca com cores variadas. Algumas pessoas faziam as últimas
compras e se apressavam em ir para suas casas, para suas famílias para a ceia
de Natal.
Enquanto o vento frio agitava os negros e cumpridos
cabelos de Neide, sua pele tão branca como a neve se arrepiava, ela adorava o
frio, por isso usava apenas uma saia jeans desbotada e uma fina camisa de manga
longa com uma estampa frontal de uma caveira com uma rosa na boca.
Enquanto caminhava pela calçada coberta por uma fina
camada de neve ela passou em frente de um boneco em tamanho real de Papai Noel.
-Hey!- Gritou Neide surpresa ao sentir a mão do bom
velhinho agarrar seu braço. Ao se virar, ela notou que era uma pessoa
fantasiada se fingindo de estátua. -Me larga seu imbecil!
O Papai Noel permaneceu imóvel, de olhos fechados, mas
manteve o aperto no braço de Neide, que tentou se libertar, porém sem sucesso.
-O que você quer de mim? – Indagou Neide estudando o
Papai Noel de longas barbas.
-AAAAHHHH!! - O Grito de horror escapou dos lábios de
Neide quando o Papai Noel se virou para ela e abriu os olhos, olhos negros como
carvão, olhos de um demônio, e rugiu para ela ameaçadoramente.
CAPÍTULO
2
Gritando, Neide deu um
impulso para trás e conseguiu se libertar do aperto no braço e caiu de cócoras
na neve.
O Papai Noel diabólico veio em sua direção, exibindo um
sorriso de escárnio, típico dos psicopatas e então ela ouviu risadas.
-Ãh?!- Neide viu dois rapazes se aproximando e reparou
que um deles tinha uma câmera na mão e estava filmando tudo. O Papai Noel de
olhos negros também dava gargalhadas enquanto cumprimentava seus comparsas.
-Seus imbecis filhos da puta! – Vociferou Neide se
levantando, ajeitou a garrafa de refrigerante no pacote e saiu correndo pela
rua escorregadia enquanto seu coração martelava dentro do peito.
-Foi apenas uma piada Natalina. – Ela ouviu um dos
rapazes gritar enquanto os demais ainda gargalhavam.
Neide odiava esses You Tuber imbecis que adoravam
infernizar a vida das pessoas para ganhar likes.
Neide só queria chegar em casa, mal sabia ela os horrores
que a aguardavam naquela noite fria.
CAPÍTULO
3
Neide adentrou sua casa
e foi envolvida pelo vapor quente do aquecedor que o pai, em noites frias,
deixava no máximo.
No caminho para seu quarto Neide viu a TV da sala ligada
em algum programa idiota de auditório e viu o pai desmaiado no sofá surrado de
vinil com várias latas de cerveja espalhadas em cima da mesinha à sua frente e
o cinzeiro cheio de guimba de cigarro.
Neide foi para seu quarto e fechou a porta, era triste
ver o pai naquele estado, mas após a morte da mãe ele havia perdido a luta para
o álcool. Era apenas ela e o pai, o que ele ganhava mal dava para sobreviver,
mas eles iam levando.
Neide se sentou na cadeira em frente a mesinha onde
ficava seu computador e colocou algumas músicas de Ozzy para tocar, em seguida
abriu a garrafa de Coca-Cola e despejou o líquido escuro no copo ansiosa para
longas tragadas.
Neide tomou vários copos de refrigerante enquanto dava
tragadas no cigarro entre seus dedos trêmulos. Suas mãos estavam frias, tinha o
olhar perdido em direção a janela fechada, lá fora a neve caía mais intensamente
deixando o vidro embaçado. As velhas
canções de Ozzy tocavam mergulhando-a naquele transe triste.
Por fim Neide saiu de seus devaneios, colocou o copo
vazio sobre a mesa ao lado do notebook e pegou o estilete em uma gaveta, fez a
lâmina sair e se sentou na cama.
Neide ficou a contemplar a lâmina do estilete, encolheu a
manga da blusa de seu braço esquerdo e tocou seu pulso cheio de cicatrizes com
o aço frio.
A ânsia funesta retornou, aguçando seu desejo de cometer
suicídio. Por vários anos Neide tinha essa ideia de que apenas o suicídio seria
a solução para todos os seus problemas.
O rosto de Dean brilhou em sua mente, um rapaz tão lindo,
gentil, ela havia confiado nele, se entregou a ele e então o bom rapaz se
mostrou um aproveitador, um verdadeiro crápula.
Ela
sentiu ódio ao se recordar dos vídeos que ele colocou na internet expondo sua
intimidade, humilhando-a, acabando com sua vida. Neide fazia o estilo gótica,
mas as pessoas do colégio não entendiam isso, ela sempre sofria Bullying pesado
por ser diferente.
Sua
vida era uma droga e após a morte da mãe, três meses atrás, tudo piorou muito.
Seu mundo desabou e a depressão que sempre esteve rondando sua mente como um
abutre carniceiro, a pegou de vez, envolvendo-a com sua angústia nefasta.
Suicídio,
Neide não conseguia pensar em outra coisa, dia após dia. Ela já havia tentado
cortar os pulsos antes, mas sempre fraquejava, mas não dessa vez. Agora ela
iria até o fim e sua vida findaria com aquele estúpido Natal sem sentido.
Tomando
coragem, decidida a ceifar sua vida, Neide mordeu o lábio inferior e sentiu a
lâmina do estilete começar a cortar seu pulso, ela queria fazer rápido para em
seguida deitar de costas na cama e deixar sua vida inútil se esvair,
libertando-a daquela maldita prisão sem muros enquanto ouvi Ozzy cantar
Paranoid.
Mas
quando cerrou os dentes para rasgar seu pulso, ela ouviu um ruído e viu algo
sair de debaixo da cama, fazendo com que um grito de espanto escapasse por seus
lábios.
CAPÍTULO 4
Com horror e depois
surpresas nos olhos, Neide viu um garotinho de uns dez anos sair de debaixo da
sua cama.
-Mas quem diabos é você e por que estava embaixo da minha
cama? – Indagou Neide aturdida encarando e garotinho magro, de cabelo loiro e
resplandecentes olhos azuis-acinzentados. -Desde quando estava aí?
-Olá, pode me chamar de Whooly. – Apresentou-se o menino
com um sorriso melancólico no rosto de pele clara e bochechas avermelhadas.
-Uns garotos queriam me congelar vivo dentro de um boneco de neve, aí vi que
sua janela não estava trancada e decidi me esconder debaixo de sua cama.
-Nossa, que noite mais louca. – Balbuciou Neide encarando
o garotinho de pé ao lado da cama, ela reparou que ele usava camiseta amarela
com o desenho de um Papai Noel em seu trenó e shorts Jeans. -Você estava lá fora
vestido assim? Não tem medo de congelar?
-Eu gosto do frio. -
Falou o menino, sua expressão ficou séria enquanto ele encarava o
estilete na mão de Neide. -Eu quero ver!
-Ãh?! – Neide tentou esconder o Estilete ao seu lado
dando de ombros. –Olhe, Whooly, tudo bem que tenha entrado em meu quarto para
evitar fugir dos valentões, mas você precisa ir pra casa agora ok?
-Eu não vou contar para ninguém Neide, pode fazer, eu
quero ver. – Falou Whooly encarando-a com seus olhinhos apertados e uma
expressão muito séria.
-Não sei do que você está falando. – Desconversou Neide
revirando os olhos e cruzando os braços.
-Eu vi minha irmã fazer isso, ela usou um estilete como o
seu e rasgou os pulsos, - Começou Whooly falando baixinho, como se estivesse
revivendo as lembranças amargas em sua mente enquanto olhava perdidamente para
o chão. -Eu sabia que ela ia fazer e fiquei espiando-a pela janela do seu
quarto. Eu vi o sangue esguichando de seus pulsos e o desespero logo tomou
conta dela. Eu ouvi enquanto ela gritava por socorro, mas ninguém apareceu para
ajudá-la. Ela agonizou até morrer.
-Que horror – murmurou Neide encarando o garotinho cujos
olhos expressavam tanta tristeza.
-Vamos, faça logo. – Ordenou Whooly encarando-a. -Eu sei
que você quer fazer isso, então faça logo, eu sei que é assustador, mas eu
quero ver você morrer.
Neide sentiu um arrepio, não, aquilo foi mais que um
arrepio, foi um calafrio gélido surgir em sua nuca como milhares de agulhadas.
Perdida no olhar triste do menino e em sua expressão
fria, ela tateou até seus dedos encontrarem o estilete e o pegou.
Neide segurou
firme o estilete, como se estivesse em transe, tudo tão surreal, puxou
novamente a manga da blusa que havia descido e deixou seu pulso nu.
-Faça – ela ouviu aquela voz em sua mente, não a voz de
Whooly, mas aquela velha voz assustadora que insistia para ela se matar. -Faça,
liberte-se, faça agora e o sofrimento findará.
Neide mordeu o lábio inferior e passou a lâmina do
estilete com força em seu pulso, gemendo ante a dor aguda e viu o sangue
esguichar de suas veias dilaceradas.
CAPÍTULO
5
A visão de Neide
começou a ficar turva, o garotinho parecia se multiplicar à sua frente enquanto
tudo oscilava. Ela sentiu enjoo e muita tonteira.
O sangue fluía de seu pulso, ela soltou o estilete sujo
sobre a cama e deitou de costas, como havia planejado, para se entregar e
esperar que sua vida se esvaísse.
Neide ouvia zumbidos de abelha, fechou os olhos para se
livrar da estranha sensação de tonteira e então ouviu um grito horripilante.
Neide abriu os olhos e sentiu horror ao ver a sombra
nefasta atrás de Whooly. A sombra começou a ganhar forma até se transformar em
uma criatura aterradora.
“É apenas alucinação que precede a morte!” Murmurou Neide
em sua voz débil enquanto encarava o diabo à sua frente, com patas de bode,
chifres e a bocarra cheia de dentes.
A criatura do inferno enfiou suas garras no coração de
Neide, que urrou ao sentir a dor lancinante e então algo macabro aconteceu.
Neide sentiu o demônio arrancar sua alma do corpo,
puxando-a com suas garras infernais. Enquanto tudo girava à sua volta, Neide
pôde ver o próprio corpo sobre a cama com os olhos virados e a expressão triste
no rostinho de Whooly enquanto a criatura nefasta a arrastava para as
profundezas abismais do inferno através de um portal que surgiu no chão.
CAPÍTULO
6
-AAARRRGGGHHHH!!! – O
grito assustador escapou da garganta de Neide enquanto descia naquela imensidão
escura e fétida para os confins do inferno.
Como um carrapato, a criatura satânica estava grudada em
Neide, ela sentia suas garras espetadas em todo seu corpo, causando-lhe uma
aflição tenebrosa.
Logo Neide sentiu as labaredas das chamas infernais
lamberem sua alma enquanto gritos, lamentos e rangeres de dentes ecoavam por
todos os lados.
Neide foi jogada em um lago de fogo e sentiu sua alma
queimar. Ela começou a gritar, sentindo dor, muita dor e seus gritos se misturavam
aos demais em uma lamúria infernal terrível.
Gargalhadas satânicas retumbavam pelo perímetro obscuro
de chamas e trevas. Atordoada e imersa naquele paradoxo de dor lancinante, ela
pôde ver os demônios, criaturas feias e nefastas, torturando as almas
condenadas aquele suplício infernal.
-Oh! Deus! Por favor me ajude!... – Clamou Neide em
desespero.
-Puta desgraçada, vai aprender que jamais deve falar esse
nome aqui. – Gritou um diabo macabro, gigante como um gorila e com a horrenda
face vermelha cheia de chifres.
A cria do inferno a puxou pelos cabelos e com sua outra
mão de unhas afiadas, arrancou o maxilar de Neide.
-AAAAAAHHHHHHHH!!!- O grito horrendo explodiu da garganta
de Neide ao sentir uma dor que jamais experimentada em vida e que despedaçou seu
espírito, fazendo-a compreender que não há libertação no suicídio, pois que
este é apenas o começo de uma eterna existência de dor.
CAPÍTULO
7
Neide piscou os olhos
várias e várias vezes enquanto uma luz brilhante dançava sobre sua cabeça.
Ao erguer a cabeça, Neide reparou que estava aos prantos,
soluçando e tremendo, sentindo muito, muito frio e uma tonteira muito
desagradável.
Então Neide se deu conta de que estava novamente em seu
quarto, sobre sua cama com seu pulso cortado.
Rapidamente Neide, ainda confusa e assustada,
lembrando-se de cada pedaço de dor e aflição experimentado a pouco, pegou uma
toalha que estava sobre a maçaneta da porta e a pressionou contra seu pulso
ferido.
-Whooly, você está aqui? – Indagou ela ainda se sentido
tonta, vendo seu lençol e o chão sujos de sangue. Mas não obteve resposta, o
garotinho havia ido, restara apenas sua pegada na poça de sangue sobre o chão
de tacos corridos.
Neide se sentou na beira da cama para enrolar a toalha no
pulso para estacar o sangramento, mas parou ao sentir um arrepio na nuca e ver
uma sombra se formar próxima da janela.
Neide encarou a sombra e a viu ganhar forma, exalando seu
odor de carniça e se transformar naquele bode demoníaco.
O mal havia retornado das profundezas do inferno.
CAPÍTULO
8
-Piranha desgraçada, -
Neide ouviu a voz profana e cavernosa escapar da bocarra do demônio à medida
que ele se manifestava à sua frente. -Como ousa escapar de meus domínios? Você
é minha, eu vou devorar sua alma!
-Não, seu demônio maldito! – Vociferou Neide pondo-se de
pé, encarando seus medos e sentindo ódio. -Foi você quem me dominou e me fez
ver o suicídio como salvação, mas agora que eu ganhei uma nova chance de viver,
te ordeno que volte para o buraco fedorento de onde saiu.
-Eu vou levá-la comigo, sua filha da puta! Você é minha!!
– Falou o demônio hediondo gargalhando. -Eu sou um general do inferno, você não
tem poder contra mim.
Neide tentou invocar o nome de Deus, mas estremeceu
quando a criatura primitiva se aproximou, colocou suas patas peludas sobre os
ombros trêmulos dela e em seguida abriu sua bocarra, pronta para abocanhar sua
cabeça.
CAPÍTULO
9
Neide ficou paralisada
pelo medo frio e tenebroso diante daquela besta infernal sobre ela. Mas então
ela ouviu os passos do casco do bode se afastarem.
Neide abriu os olhos e viu espanto no rosto feio do
demônio enquanto seus olhos infernais fitavam alguma coisa atrás dela.
O diabo feroz abaixou as orelhas como se faz um cão
repreendido por seu dono, seus olhos vermelhos pararam de faiscar e ele ficou
cabisbaixo, deu as costas e se foi desaparecendo em um portal sobrenatural que
se abriu sob suas patas.
Neide conseguiu se mexer e se voltou para trás, curiosa
para saber o que havia intimidado aquela criatura.
-Oh!? – O queixo de Neide caiu quando ela viu o garotinho
Whooly parado em frente a mesinha de computador com seus resplandecentes olhos
tristes. -Você me salvou, mas como intimidou aquela coisa? Quer dizer, você viu
aquela criatura né?
Whooly exibiu um sorriso e ergueu a mão para que ela a
segurasse, Neide assim o fez, sentindo a mãozinha dele quente e agradável.
-Venha
comigo, - sussurrou Whooly segurando a mão de Neide.
-Para
onde nós vamos? -Indagou Neide, -Eu preciso de um médico para dar uns
pontos nesse corte.
Whooly
apenas se voltou para ela, encarando-a com seus olhinhos tristonhos. -Eu sinto
muito, - murmurou de forma quase inaudível.
-Neide!
Por acaso você está surda? – Ela ouviu a voz do pai gritando. Então o viu abrir
a porta e o horror tomar conta de sua face.
-Pai
eu... é que... – Neide tentou inventar uma desculpa para justificar todo aquele
sangue, mas notou que havia algo de muito errado quando seu pai começou a
gritar e chorar, passando por ela e indo até a cama.
Neide
se voltou e lágrimas rolaram por sua face ante a visão assombrosa de seu pai
com o corpo dela sem vida em seus braços.
-Vamos,
isso não é mais assunto seu. – Disse Whooly de forma determinada puxando-a pela
mão.
-Eu
estou morta? – indagou Neide trêmula, -Mas eu não entendo, me sinto tão viva
eu... espere, quem é você?
Os
olhos de Whooly faiscaram por um milésimo de segundo.
-Quando
você comete suicídio, - Começou o garotinho, fazendo-a acompanhar seus passos
para fora do quarto, da casa, para a noite lá fora. -você perde sua alma sabe,
por que ainda não tem os atributos necessários para se virar do lado de cá. Mas
não se preocupe, eu não sou ruim como meu irmão de chifres!
-Mas...
Oh! Então você também é um demônio? – Indagou Neide em sua voz chorosa,
sentindo o horror se apossar novamente de seu espírito. -O que vai fazer
comigo?
O
garotinho a guiou em silêncio pela rua coberta de Neve, com todas as casas à
volta brilhando com as ornamentações de Natal.
-Sabe,
eu não gosto de ser chamado de demônio como meus irmãos, - começou Whooly,
apertando a mão de Neide, mostrando sua força e dominação. -Eu já fui um anjo,
então gosto de preservar minhas virtudes e modos angelicais. Sendo assim vou te
levar para minha morada, eu a chamo de paraíso, pode não ser o Céu lá de cima,
mas é bem parecido, a melodia ajuda a abafar os gemidos e rangeres de dentes.
Lágrimas
rolavam pela face pálida de Neide enquanto era conduzida em uma viagem sem
volta por aquela criatura horrenda transfigurada na aparência angelical de um
garotinho de dez anos.
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