🎃CONTO ESPECIAL DE HALLOWEEN🎃



1

Depois de descer do Renault Captur conduzido pelo pai, Jardes Whoosvertz olhou com melancolia para as colinas geladas ao longe no começo daquela fria manhã de inverno.

            O jovem rapaz não queria deixar sua cidade, teria gostado tanto de viajar para uma ilha do caribe com sol e diversão. Mas seus pais arruinaram suas férias, depois do acidente eles se preocupavam tanto com sua condição. Um tempo nas montanhas geladas lhe faria bem, lhe dariam um momento para pensar, para respirar ar puro...

            Os pais o conduziram para a aconchegante cabana da família, eles queriam que Jardes descansasse, mas ele estava bem, na verdade louco por adrenalina.

            Pobre garoto, sua memória era uma bagunça total, não se lembrava de quase nada dos últimos cinco anos. Suas lembranças eram apenas do hospital, dos rostos nebulosos das enfermeiras e do Dr. Guiddes, que acompanhou seu caso por todos esses anos.

            “Eu estou bem ferrado,” pensou Jardes amargamente. “um homem sem memória é um indigente sem passado, um maldito livro que molhou e perdeu sua história. Ao menos parte dela.”

           


2

 

Depois do almoço Jardes saiu para caminhar, jurou para seus pais que lembrava perfeitamente daquela região, como prova, falou dos pinheiros altos e do castelo em ruinas do Sr. Meditavrades Hebbs que havia sido engolido pelo pântano.

            “Não demore muito, Jardes. Pode nevar bastante no fim da tarde”. Avisou-lhe sua mãe. A pobre coitada tentava se apegar à sua beleza de outrora, mas tinhas sinais marcantes de cansaço e angústia por conta de seu filho e dos momentos ruins após seu acidente.

            “Eu volto logo.” Mentiu Jardes dando as costas à sua mãe e descendo rumo ao lago congelado que ladeava o caminho estreito que conduzia ao Vale do Silêncio.

 



3

 

Os pais de Jardes diziam que ele tinha sorte de ter escapado com vida do acidente, mas havia todo um trauma no seu cérebro que demorou longos anos de tratamento. Segundo eles suas memórias dos últimos cinco anos haviam sido perdidas para sempre como um sonho esquecido.

            Jardes caminhou por entre árvores congeladas e uma fina camada de neve que cobria a grama sob seus pés. Estava bem agasalhado e a sensação fria lhe era agradável.

            Em um gesto mecânico ele tirou o celular do bolso e quando viu a data sentiu um arrepio na espinha. No visor de seu smartphone marcava: 31 de Outubro de 2022.

           



4

 

Era Halloween. Ele gostava da tradição, ver filmes de terror, comer doces, curtir festas com fantasias... mas não hoje, naquele fim de mundo havia poucos vizinhos, ele não lembrava de nenhum jovem por perto, e o sinal de internet era fraco para assistir vídeos.

            Aquele seria um Halloween perdido...

            -Ahhhh!!! - O pensamento de Jardes foi interrompido por um estranho grito de horror vindo do alto da colina.

 



5

Assustado diante do grito esganiçado, Jardes guardou o telefone no bolso e correu em direção ao grito.

            -Socorro... – Jardes subiu um pequeno morro escorregadio ladeado de árvores e pôde enfim descobrir de onde vinha aquele grito.

            Um calafrio gélido como dedos de um esqueleto o fez estremecer quando ele avistou a lendária caverna da Bruxa.

 

 


6

“Como isso é possível?” indagou Jardes fitando a entrada escura da caverna. Desde criança ele ouvira as lendas na região sobre aquela caverna onde haviam prendido uma bruxa maligna.

Os velhos moradores do local falavam da Bruxa Krovíkobba, um ser do mal, possuidor de conhecimentos nefastos e detentora das artes das trevas. Contavam que ela tinha mais de 300 séculos.

“Matar uma bruxa é um erro” diziam os moradores, “pois que seu espírito imortal volta do além para se vingar, por isso ela foi presa na caverna maldita onde sua feitiçaria nefasta não tem poder.”

Quando se preparava para fugir dali e ir avisar seus pais para que ajudassem a pobre mulher, afinal Jardes jamais seria crédulo o bastante para quer em bruxas imortais de 300 séculos, ele ouviu os arbustos se mexerem.

Tinha alguém ou alguma coisa, vindo em sua direção, talvez atraído pelos gritos.

 



7

 

Os olhos de Jardes foram tomados por surpresa quando viu a linda garota de gorro vermelho sair da trilha e caminhar com leveza em sua direção.

-Não é possível, mas como? Indagou Jardes ao fitar aquele rosto que te trouxe tantas memórias. A garota correu e o abraçou, beijando-o ternamente nos lábios.

Aquela era Jarohazika, sua doce namorada há cinco anos.

-Eu segui vocês, quando descobri que você saiu da clínica, eu precisava te ver. Seus pais não queriam, então estive dirigindo atrás de vocês. – Contou Jarohazika emocionada. -Você prometeu me amar para sempre, lembra?

-Ahhhhh!!!- Novamento o grito irrompeu de forma medonha pela garganta escura da caverna.

Os enamorados decidiram adiar o momento romântico, Jardes ligou a lanterna do celular e juntos, foram em direção ao grito horripilante de socorro.

 



8

 

Jardes murmurou para sua amada sobre as lendas da bruxa velha, e ela sorriu, dizendo que era a bruxa do Halloween.

Jardes tropeçou em algo e viu que havia um machado no solo irregular, ele decidiu pegá-lo para se proteger caso encontrasse alguma fera devorando a velha.

Os gritos haviam cessado, mas eles ouviam uma respiração irregular, como uma ronqueira asquerosa.

 Seguiram pelo estreito caminho que fazia uma suave curva para a esquerda e então a luz do celular iluminou o fundo da caverna e algo peculiar.

-Oh! Eu não acredito no que estou vendo!! – Gritou Jarohazika apertando a mão de Jardes que segurava o machado. -Isso é...?

 



9

-É a velha bruxa...! – murmurou Jardes incrédulo diante da visão de uma mulher muito idosa sentada no chão com uma das pernas quebradas e o osso saindo para fora da pele que sangrava. Ao seu lado havia uma tocha apagada e uma picareta.

-Oh! Vocês vieram. – Gritou a velha exibindo seu sorriso velho e tentando disfarçar a dor.  - Ajudem-me!! Depressa!!!

-Mas... – Jardes pensou em questionar se ela não era a bruxa má que havia se soltado e queria ajuda para se vingar, mas quando viu Jarohazika correr para ajudar a pobre senhora, foi junto.

Quando Jarohazika colocou o braço da velha em seu pescoço para ajudá-la a se erguer, Jardes estremeceu.

 -Carne fresca- murmurou a velha lambendo seus lábios secos e com uma mordida forte, cravou seus dentes no pescoço de Jarohazika, fazendo-a gritar de dor.

Jardes ficou paralisado ante a cena macabra iluminada pela trêmula luz de seu celular.

A velha arrancou um bom pedaço de carne da jugular de Jarohazika, fazendo seu sangue vermelho brilhante jorrar enquanto a anciã mastigava sua carne suculenta.

 



10

 

-Nãooooooooooooo!!! Berrou Jardes como um animal, deixou o celular cair, ergueu o machado, correu na penumbra até a velha e deu-lhe um belo golpe, fazendo seu crânio rachar como uma melancia cortada.

Enfurecido, Jardes não se contentou com apenas um golpe e começou a picar a velha compulsivamente, desmembrando-a e fazendo seu sangue borrifá-lo como água suja que vaza de canos furados.

-Oh! Meu Deus!! – O rapaz ouviu o grito de voz familiar e foi banhado por uma luz forte em suas costas. -Por que você fez isso Jardes?

 



11

 

Sujo do sangue que escorria pelo seu rosto e pedaços de cérebro que lhe caiam dos cabelos, Jardes se virou para encarar os pais.

A luz da grande lanterna do pai feria os olhos de Jardes, ele ergueu seu braço para se proteger. Então disse-lhes:

-A bruxa, - apontou na direção de Jarohazika, -ouvimos o grito e viemos ver quem estava em perigo, mas a maldita bruxa atacou Jarohazika, ela...

Sob o olhar de dor dos pais Jardes se sentiu confuso quando percebeu que sua amada Jarohazika não estava na caverna.

-Onde ela foi? – Gritou Jardes e foi contido pelo pai que tirou-lhe o machado ensanguentado das mãos e o abraçou. -Me larga, ela foi mordida, precisa de ajuda senão ela vai... ...morrer...

 -Oh! Meu filho se acalme – implorou a mãe com lágrimas rolando por seu rosto cansado. – Jarohazika não está aqui, ela morreu há cinco anos.

 

 


12

-Isso não é verdade, eu a vi, ela estava aqui comigo, ela nos seguiu de carro e veio para ficar comigo, então a velha...- gritava Jardes desesperado sentindo suas forças se esvaírem enquanto pedaços de memória faiscavam em sua cabeça criando um mosaico sinistro com corpos e rostos tristes.

Jardes desfaleceu nos braços do pai enquanto as memórias regressavam à sua mente, exatamente como quando se recorda de um sonho no meio do dia.

-Eu me lembro de tudo... – Balbuciou Jardes fazendo sua mão soluçar de horror. -Eu sou um assassino!! Eu matei meus amigos e... Jarohazika foi minha última vítima.

 



13

 

Jardes Whoosvertz, um jovem de 15 anos com um futuro brilhante pela frente, filho de pais ricos donos de muitas lojas de departamento, mas que tinha desejos estranhos.

            Um belo dia, há cinco anos, Jardes estava com seu melhor amigo Gremuller preparando sanduiches na cozinha de sua casa. Seu amigo estava distraído jogando no celular, quando Jardes pegou a faca de cortar carne e ao invés de fatiar o presunto para o pão, decidiu espetar aquela bela lâmina de aço no pescoço do garoto.

            Em poucos minutos a compulsão transformou sua linda cozinha em um matadouro salpicado de sangue e carne fatiada. Mas isso não era um problema, Jardes era bom em limpeza e sabia onde jogar os corpos, no poço na velha mina abandonada, afinal em suas fantasias aquele seria o lugar ideal para desova.

            E assim o jovem carniceiro dizimou seus seis amigos durante quase dois meses até que sua mãe achou a cabeça de Jarohazika em uma caixa de isopor com gelo em cima de um guarda-roupas no quarto de Jardes.

            Ricos, os Whoosvertz ajudaram a encobrir tudo e pagaram rios de dinheiro ao Dr. Guiddes, um amigo da família de longa data e que garantiu limpar a mente de Jardes, apagando suas lembranças da matança e curando-o de sua psicopatia. Ele estava trabalhando em uma tese sobre curar assassinos em série.

            Mas o fantasma do passado sombrio de Jardes encontrou uma forma de ressurgir dos porões de seu inconsciente.

 


-Socorro, me tirem daqui... – Agora eram os gritos de Jardes que ecoavam do interior sombrio da caverna onde seus pais o prenderam com grossas correntes nos tornozelos, as mesmas que supostamente prendera a bruxa má. Eles sabiam que não poderiam curar seu filho homicida.

                Os Whoosvertz precisavam do Dr. Guiddes, era necessário encontrar um jeito de tratar Jardes. Eles não aceitavam aquele destino tão cruel.

            Os Whoosvertz haviam recolhido os pedaços da velha que Jardes havia trucidado, era uma moradora da região que gostava de procurar pedras preciosas em cavernas e túneis, diziam que ela sempre achava alguma pedra azul ou pepitas de ouro.

            Como sempre mais uma cena de crime adulterada com as provas do assassinato apagadas. Jardes estava limpo de todo o sangue, sua mãe havia cuidado dele.

            Jardes sabia que eles iriam retornar para ceda-lo e leva-lo de volta para o Dr. Guiddes.

            Jardes estava perdido, teria que passar novamente por toda aquela lobotomia, afinal ninguém ouviria seus gritos de horror.

            Mas então quando Jardes começou a ter um ataque de ódio tentando se libertar ele viu uma fraca luz brilhar na escuridão da caverna.

            -Eu não acredito. – Sorriu Jardes ao perceber que seu celular estava caído em uma pequena fenda na rocha.

            Rapidamente Jardes tirou os sapados e se esticou todo, conseguindo alcançar o smartphone com os dedos. Ele o puxou para si, verificou que tinha sinal, fraco mas tinha e ficou feliz por ainda ter bateria.

            Jardes procurou na agenda e achou o número de Clementorres, um dos velhos moradores da região que sempre estava a disposição para ajudar os conterrâneos.

            -Alô...

            -Olá Sr. Clementorres, será que o senhor poderia me ajudar? Eu vim explorar a caverna daquela lenda da bruxa com uns amigos e eles me prenderam aqui, preciso de ajuda com algemas e correntes. Aqueles miseráveis me pagam, matarei os dois assim que sair daqui. Ha, ha, ha...   

            -Não se preocupe meu Jovem, chego aí em cinco minutos. – Assegurou-lhe o velho do outro lado da linha.  

            Um sorriso frio brilhou no rosto pálido de Jardes. Ele sabia que teria sua vingança. Matar a velha havia reacendido aquela fagulha gelada em seu peito.