DE
VOLTA DA COVA
Escrito
por Allan Fear
Jonas Bóris havia falecido há alguns dias, vítima de
um acidente de moto. Morrera novo com apenas 32 anos. Agora ele repousava em
seu caixão, mergulhado em trevas e solidão.
Jonas
nunca havia se preocupado com a morte e ali estava ele saboreando o seu amargo
sabor. Há tantas teorias sobre o além-túmulo, uma suposta vida espiritual, céu
e inferno.
Mas
ali estava Jonas, um autêntico defunto enterrado em seu caixão a sete palmos de
terra.
Jonas
tinha plena consciência de sua situação, estava lúcido em seu velório e ouvira
cada punhado de terra que havia sido jogado sobre a tampa de seu caixão.
Para
Jonas a morte parecia a paralisia do sono, um fenômeno que aflige algumas
pessoas. Na paralisia do sono o cérebro entende que o sujeito ainda está
dormindo e mantém o corpo todo paralisado, dando a sensação de desespero por
não poder se mexer um dedo sequer.
Por
longos dias Jonas ouviu o ruído dos gases exalando de seu corpo os barulhinhos
dos vermes escavando por sua pele. Mas não havia dor ou incômodo, ele apenas
permanecia ali, imóvel, tendo todo o tempo do mundo para pensar e as vezes ter
alguns sonhos um tanto quanto desconexos.
Por
vezes o pobre rapaz despertava, achando que estava deitado em sua cama e quando
percebia que não conseguia se levantar dava-se conta de sua situação.
As vezes
Jonas começava a se sentir leve e dava-lhe a sensação de estrar começando a
flutuar, então lutava contra isso por medo do que poderia acontecer e voltava a
ficar ancorado dentro de seu caixão.
Jonas
reparou que começara a desenvolver um sexto sentido muito apurado e conseguia
saber quando era dia ou noite, se estava sol ou chuva.
Foi
assim que Jonas descobriu que aquele, era dia de finados e que finalmente
poderia sentir a presença de seus entes queridos novamente.
Pobre
Jonas, embora ele soubesse que sempre fora a ovelha negra da família Boris, o
tipo de sujeito que se recusava a trabalhar e vivia da mesada dos pais, metendo-se
em muitas encrencas e tirando muito sarro das pessoas, ele não contava que
ninguém aparecia para prestar-lhe homenagens nem mesmo naquele dia especial.
Jonas
sentia muitos pés andando sobre o solo lá em cima, sentia também a energia de
saudade, carinho e o perfume das flores que as pessoas depositavam sobre as
lápides de seus vizinhos de túmulo.
Jonas
começou a sentir muita tristeza quando a noite chuvosa começou e o cemitério
voltou a ficar em silêncio. Simplesmente nenhum de seus parentes ou amigos, se
é que ele tinha algum, viera para visitá-lo.
Mas
logo a tristeza deu lugar a raiva e Jonas começou a uivar, sentindo trevas
frias pulsarem por todo seu cadáver. Um ódio voraz o consumia e seu desejo não
era outro senão erguer-se da cova e voltar para sua casa, puni-los para que
aprendessem a jamais deixa-lo sozinho, afinal, mesmo morto, ele ainda era um Bóris.
Como
um animal enlouquecido querendo fugir da jaula, Jonas conseguiu mexer seus
dedos ossudos de carne morta e começou a socar a tampa do caixão, todavia
urrando com ódio.
As
trevas em seu interior lhe deram poder e seus socos rasgaram a tampa do caixão,
para em seguida escavar a terra como uma toupeira enraivecida.
Não
demorou e lá estava Jonas saindo de sua cova e sendo banhado pela fria chuva da
noite. Duas chamas infernais cintilavam de cor azul dentro de suas órbitas.
Cambaleando
em direção aos muros baixos do cemitério Jonas foi por entre os túmulos
ornamentados de flores em busca de sua família. Em busca de vingança por terem
esquecido dele.
***
Em uma luxuosa casa de
dois andares, a família Bóris se reunia à mesa em um delicioso jantar.
Todos estavam felizes. Sr. e Sra. Boris, a filha caçula,
os avós, o casal de netos adolescentes e seus respectivos pais.
Mas aquela confraternização em família durou pouco quando
ouviram o barulho da porta ser estourada e viram, com horror, aquele ser
decadente cambaleando pela sala com sua pele putrefata, exalando aquele odor de
carniça.
-Oh! Não! Isso é Jonas? – Indagou a Sra. Bóris aterrorizada
enquanto seu marido engasgava com a vitela diante daquela visão horrenda.
-Vocês não foram me visitar, mas então eu vim para
puni-los. – Falou Jonas em sua voz nojenta e estranha com vermes e terra
molhada sendo expelidas por sua boca apodrecida.
-Jamais voltaríamos em seu túmulo seu miserável, pois
temíamos que seu fantasma voltasse conosco para nos assombrar. – Falou o Sr. Bóris
recuperando-se do engasgo. Apontou o dedo para o filho defunto e gritou: -Você
foi adotado seu merda, foi o pior erro que cometemos, você nos infernizou por
32 anos.
-Eu dei a ideia para o velho te dar a moto para que você
morresse seu merda! – Gritou July, a irmã caçula de Jonas. -Eu te odeio.
-Todos nós te odiamos tio. – Disseram os sobrinhos em
uníssono. -Volte para seu túmulo.
-Desgraçados, eu voltei para comer seus miolos. – Ameaçou
Jonas se aproximando dos parentes. -Eu sou um zumbi, vou devorá-los.
-Seu merda, você acha que é um zumbi? – Indagou o Sr.
Jonas dando risadas. -Você não estava morto, sobreviveu ao maldito acidente de
moto, mas foi então que combinamos com um dos enfermeiros da clínica para
matá-lo, mas ele se recusou e deu-nos uma alternativa...
Jonas estava horrorizado, incrédulo e confuso.
-O enfermeiro não queria correr o risco de ser pego por
cometer um assassinato, mas topou injetar em você uma toxina paralisante que te
induziria a uma morte aparente, sendo assim o médico atestou sua morte e o
enterramos às pressas. Esperávamos que você morresse sufocado dentro do caixão.
– Falou o Sr. Bóris com a cara fechada.
-Malditos, eu vou... – Jonas cuspiu a ameaça amargamente,
mas foi interrompido quando seu pai, empunhando-se de uma garrafa de vinho que
estava sobre a mesa, avançou sobre ele e golpeou seu crânio com força.
-Me ajudem! Vamos acabar com esse maldito filho da puta. –
Gritou o Sr. Bóris esmagando a cabeça de Jonas, que caído com uma buceta aberta
na testa, não esboçou reação. -Ele já está tido como morto mesmo, agora podemos
mata-lo e jogá-lo de volta em sua cova.
Todos se juntaram para dar cabo da vida de Jonas,
armando-se com algumas ferramentas como martelo, taco de beisebol e taboa de
cortar carne.
Após terminarem o linchamento, todos pararam para tomar
fôlego. No centro da sala jazia o cadáver de Jonas com inúmeros machucados, seu
sangue vermelho brilhante escorria das feridas em pequenos filetes.
-Vamos levá-lo para os fundos e atear fogo nele para que
não volte nunca mais. – Sugeriu July limpando o suor da testa. -Eu odeio esse
porco maldito, eu ainda me lembro do dia em que ele colocou goma de mascar em
minha calcinha e quando fui fazer xixi...
-Acho que a cola super bonder na dentadura de sua mãe foi
ainda pior. – Murmurou o Sr. Bóris ofegante.
-Nada vai superar aquela vez que ele trancou a falecida
tia Jozefina dentro de uma mala e colocou no lixo. – Disse a Sra. Boris. -A
coitada quase foi moída viva dentro do caminhão do lixo.
O cadáver de Jonas foi arrastado até os fundos casa e
atearam-lhe fogo. Enquanto as chamas tentavam lamber as telhas do alpendre,
todos viram com horror o fantasma perverso de Jonas irromper em meio a fumaça
fétida.
-É minha vingança família maldita. – Gritou o fantasma de
Jonas num timbre inumano. Em seguida ocorreu uma explosão de carniça e pedaços
de carne fétida.
Horrorizado, todos os membros vivos da família Bóris estavam
cobertos de gosma humana com pedaços de órgãos em mal estado.
-Argh! Que horror. – Gemeram todos ao mesmo tempo,
sentindo o cheiro e o sabor amargo de Jonas sobre eles.
Agora sim Jonas havia ido de vez para o mundo dos mortos,
mas não sem antes obter sua vingança suja e fétida.
Estaria a família Bóris livre daquele ser desprezível ou
de alguma forma sobrenatural ele voltaria para atormentá-los? Afinal, dizem que
locais onde ocorrem assassinatos costumam ficar assombrados.
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