CAPÍTULO
1
Era uma noite fria e
chuvosa de novembro. O ar estava úmido,
as ruas eram silenciosas e as árvores pareciam agradecer a água que as
banhavam.
Em seu pequeno quarto, Amanda Bullder estava sentada em
frente ao espelho da penteadeira. Ela fitava seu reflexo melancolicamente. Era
uma garota jovem de apenas 23 anos, tinha a pele palidamente clara e o cabelo
longo negro, liso e brilhante. Havia sombras em seus olhos azuis. Ela era
magra, de estatura mediana e bonita, embora de semblante sério.
Seu olhar triste refletia a angústia em seu coração. Ela
estava tão cansada, não fisicamente, mas emocionalmente. Seus lábios
descascados eram quase incolores. Ela usava saia e camisa preta com a estampa
de uma caveira com chifres.
Amanda sabia que aquele era o momento perfeito para ela
dizer adeus ao mundo. Minutos atrás ela havia se despedido de seus poucos
amigos através das redes sociais, deixando mensagens enigmáticas como: “Até uma
outra vida”, “Vejo vocês lá embaixo”.
Ela estava sozinha em casa, morava apenas com o pai, a
mãe havia falecido quando ela ainda era um bebê. O pai sempre chegava tarde
pois saía com amigos depois do trabalho.
Amanda
se levantou da cadeira e andou até a cama, pegou o estilete no pote sobre a
raque do computador e se sentou na cama.
Amanda
ficou a sentir a lâmina fria do estilete em seus dedos, como se tentasse adiar
o que estava prestes a fazer, mas ela sabia que tinha que ser feito.
A
imagem do rosto de Arnold brilhou em sua mente. Era um belo rapaz, por quem ela
havia se apaixonado. Ela adorava sua beleza, tão parecido com Antônio Banderas
quando ele ainda era um galã. O mesmo tipo de cabelo, aquela covinha no queixo
que ela tanto amava.
Pobre
Arnold, teve a vida ceifada por um trágico acidente de moto há cerca de um mês.
Todos
disseram que Amanda iria superar a morte do namorado, mas isso não aconteceu.
Aquele doce e meigo rapaz era tudo para ela, então ele se foi e sua vida perdeu
todo e completo sentido. Ficaram juntos por quase 3 anos, vivendo algo
especial, único.
Quando
Arnold morreu, toda aquela angustia de uma depressão que quase destruiu Amanda anos
atrás, retornou poderosa, fazendo-a desistir de tudo e de todos.
Amanda
não trabalhava, estava mais focada na faculdade de antropologia, mas depois da
morte de Arnold, ela se trancou em seu quarto, vivendo apenas uma falsa vida de
redes sociais, tão vazia e triste, sempre com postagens obscuras, esperando
aquela coragem para ceifar sua própria vida.
Amanda
pegou a garrafa de vinho que estava no canto da cama e deu uma longa tragada
até sugar todo o líquido vermelho. Ela sentia apenas um leve efeito, apenas uma
garrafa já não era o suficiente para embriagá-la.
Amanda jogou a garrafa no chão que se desfez em mil
pedaços e deu início ao seu suicídio.
CAPÍTULO
2
Primeiro ela passou com força a lâmina do estilete no
pulso esquerdo em seguida no direito e sentiu aquela dor aguda enquanto um
intenso e frio calafrio lhe percorreu todo o corpo.
Lá fora a chuva caía, provocando aquele som agradável
enquanto a água tamborilava sobre as telhas.
Ela podia ver o agitar das árvores através do vidro fechado e embaçado
da janela.
Amanda deitou na cama, com os braços abertos quando começou
a sentir-se tonta, a visão ficando turva e tudo ao seu redor começar a girar.
O sangue vermelho-brilhante fluía das feridas de seus
pulsos. Era sua vida indo embora, mergulhando-a naquela escuridão que começava
a entorpecer seus sentidos.
CAPÍTULO
3
Amanda esperava o nada, mas então para seu
horror, imersa em trevas, ela ouviu gritos e choros. Eram pessoas tristes e
assustadas à sua volta? Seria a voz de seu pai gritando em desespero por sua
morte?
Amanda
não poderia dizer, novamente o silencio sepulcral a envolveu, mergulhando-a num
vazio absoluto.
Mas
então, passado algum tempo que Amanda não podia calcular, novamente algumas
sensações surgiram. Ela podia ouvir o som de uma velha canção tocar.
Amanda
não conseguia ver nada além das trevas, mas ouvia a música no rádio e podia
sentir que estava deitada de costas sobre uma superfície fria e dura.
Onde
ela estava? O que estava acontecendo?
Amanda
estava consciente, entendia perfeitamente que havia cometido suicídio cortando
os pulsos, mas e agora? Estava viva? Num hospital talvez?
Então
Amanda sentiu algo roçar em sua pele, com força. Era como se alguém estivesse
passando uma esponja em seu corpo em movimentos repetitivos de vai e vem.
Começou nas pernas e depois passou para o resto do corpo, uma parte por
vez. Ela ouvia o ruído de fricção.
O
que estava acontecendo? Ela queria se mexer, abrir os olhos, mas não podia, sua
vontade não produzia nenhuma ação em seu corpo.
Mas
então o silêncio veio novamente sepultando-a num limbo vazio preenchido por
escuridão. Era o nada, e neste estado ela perdia a consciência.
Então
como num piscar de olhos, Amanda recobrou a consciência, era como se as trevas
não a quisessem mantê-la por muito tempo adormecida e a deixasse livre, ou
quase, já que ela permanecia presa naquela inércia mórbida.
Amanda
começou a ouvir um ruído, mais semelhante a um baque pesado, porém macio, como
se punhados de terra fossem jogados em uma superfície oca de madeira, bem acima
dela.
Quando
Amanda sentiu o perfume de rosas brancas e se deu conta que, novamente ela
estava deitada de costas em uma superfície rígida, ela soube que estava, não em
um leito de hospital, mas deitada em seu próprio caixão.
A
morte deveria ser o fim. O nada. Mas...
CAPÍTULO 4
Mas
ali estava Amanda, sentindo a dor daquela depressão corroendo-a por dentro, oprimindo-a,
mas agora ela não mais poderia tentar se distrair, buscar ajuda ou se acalmar,
pois estava presa em seu corpo, incapaz de se mexer ou enxergar, enterrada à
sete palmos de terra.
Amanda começou a gritar em silêncio, reconstruindo
em sua mente um momento de histeria e horror uma vez que seu corpo jazia
inerte. Ela não podia aceitar aquela situação apavorante, era mil vezes pior do
que antes, quando ela estava viva.
Ela
chorava em seu desespero, sentindo uma aflição desagradável corroer sua alma.
Talvez
ainda não houvesse chegado o dia de Amanda partir dessa vida, mas ela desejou
apressar as coisas e agora sua atormentada alma terá de aguardar o dia de sua
morte, presa aos laços que a mantem dentro do corpo.
As
ondas traiçoeiras de trevas retornavam de tempos em tempos para mergulhá-la no
nada, mas apenas para regressá-la à consciência de novo e de novo numa ciranda
macabra dentro daquela sepultura.
O
horror e o desespero retornavam aterrorizando e dilacerando a mente de Amanda.
Ela chorava e gritava, sentindo o terror da solidão que a enlouquecia.
Mas
logo Amanda sentiu que não mais estava sozinha dentro de seu caixão. Ela pôde
sentir cada um dos vermes que vieram devorar seu cadáver num banquete
horripilante.
O
suicídio não acabou com o sofrimento de Amanda, apenas a privou dos auxílios e
ajudas que ela tinha em vida, mergulhando-a em densas trevas de sabor amargo.
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