Escrito
por ALLAN FEAR
Você já sentiu um ódio mortal por alguém? Bem, o ódio que
sinto pelos evangélicos é cem vezes pior. Mas, permita-me contar-lhes o motivo,
não me julguem precipitadamente.
Era uma noite de sábado. Eles dizem que você deve
extrapolar e enlouquecer em noites como esta, e quando eu dei por mim, estava
sentada no sofá da sala, depois de uma noitada na boate. Minha visão oscilava
um pouco por causa do excesso de álcool e meu corpo ainda estava dolorido
depois de tanto transar com caras que eu nem sabia o nome, aquilo foi um
verdadeiro swing.
-Manuela, você já tem 25 anos, isso não é vida! Você é
uma desviada, olha só o seu estado, está toda maltrapilha. Olha só essas
roupas, moça de família não usa saia tão curta assim, você está parecendo uma
meretriz. E esse fedor de álcool que está exalando de você, eu te criei para
ser uma moça digna, uma mulher de Deus, e não uma qualquer...
Aquela velha tagarela não calava a boca, ficava repetindo
aquela ladainha, repetindo aquilo na minha cabeça, até que eu me levantei do
sofá, a empurrei e deixei aquela casa.
A noite ainda não havia acabado, a lua cheia brilhava no
céu escuro, eu precisava de mais álcool e mais sexo!
A velha tentou me seguir, mas ficou gemendo de dor
naquele braço apodrecido e velho, acho que se quebrou na queda. Mas eu não me
importava, eu me sentia viva, sabia que todos os homens desejavam meu corpo de
pele clara, lisinha, como pêssego.
Eu andava pela rua enquanto ligava para os meus amigos,
dizendo que esta noite valia tudo e que eu ainda estava faminta por mais. A
brisa suave e adocicada da primavera soprava, agitando meus longos cabelos
ruivos.
Eu estava curtindo aquele lance, longe de casa, sem
aqueles velhos enxeridos, indo fundo naquela noite selvagem. Explorando os
prazeres da carne, ficando igualmente com garotos e garotas, extrapolando todos
os limites, experimentando novas e incríveis sensações.
O Rock pesado com letras cheias de blasfêmias explodia
nos alto-falantes daquela sórdida casa noturna, não era difícil entender por
que chamavam aquele lugar de inferninho. As pessoas se entregavam as drogas e
bebidas, indo além dos limites.
Eu me sentia tão bem, tão viva, eu sentia lábios macios
tocando os meus em beijos selvagens naquela orgia infernal. Eu jamais havia
pensado que o corpo humano pudesse ir tão longe, experimentar êxtases tão
inefáveis, muito além da minha imaginação.
Eu não pensei que eu me apegaria tanto àquilo, eram tantas
sensações indescritíveis que eu não queria mais parar. Passei a morar com jovens rebeldes, que
viviam em um apartamento em um bairro bem sórdido da cidade. Eu gostava
daquilo.
A
sensação de dormir quase o dia todo e sair pelas ruas como criaturas da noite,
vagando pelos becos escuros, bebendo, transando e indo para bares e boates
barra pesada, era incrível.
Mas
eu podia ouvir uma vozinha chata dentro de mim chorando, lamentando, totalmente
aflita, pelas coisas que eu estava fazendo. Mas essa vozinha irritante logo se
calava quando eu começava a beber e o álcool irrompia pela alcova do meu
cérebro.
Em
uma noite, quando saíamos, eu e meus amigos, dividindo uma garrafa de vinho
barato, eu topei com duas pessoas que me fizeram sentir aquele ódio mortal tomar
minha mente.
-Oh!
Manuela!? É mesmo você? – falou uma moça, pela semelhança comigo, embora o
cabelo fosse loiro, percebi que era minha irmã mais velha, usando uma saia
comprida que ia até o meio das canelas. -É ela pastor Márcio, finalmente a
encontramos.
-Pelo
sangue do cordeiro! Olhe para ela, está parecendo uma meretriz. – falou o
pastor, um homem alto, corpulento, de pele morena e uma bíblia embaixo do
braço.
Eu
tentei fugir, correr, mas eles me pegaram e me levaram até o carro. Eu gritei,
mas nenhum dos meus amigos me ajudou, aqueles covardes miseráveis.
Fomos
no carro do pastor, que falou que estava procurando-me antes do culto. Segundo
ele, Jesus o havia instruído de onde eu estava. Minha irmã Marlene foi ao meu
lado no banco traseiro, falando que iriam me libertar, que eu voltaria a ser a
boa moça que já fui um dia.
Eu
senti medo daquele pastor, ele tinha pelo menos dois metros de altura, eu
jamais fugiria dele correndo, mas logo teria uma oportunidade e não a
desperdiçaria.
Mas
para meu horror o pastor parou o carro em frente a uma igreja evangélica e me
conduziu para o altar, haviam várias pessoas de pé em frente aos bancos de
madeira, cantando louvores.
A
música parou quando o pastou me obrigou a subir no altar e todas aquelas
pessoas malditas começaram a me encarar, eu via nojo em suas caras nojentas.
-Com a ajuda de nosso senhor Jesus, que me guiou no caminho certo, eu encontrei
a jovem Manuela, que como bem sabem havia fugido de casa. – falou o pastor após
pegar um microfone. -Hoje ela será liberta!
-Minha
filha! – falou aquela velha que eu havia empurrado quando fugi de casa. Ela
veio em minha direção com um braço engessado.
-Não
se aproxime Dona Isaura! Espere que façamos a libertação de sua filha primeiro.
– berrou o pastor, fazendo a raiva crescer em meu peito, a ponto de explodir.
-AAAAHHHH!!!
– o grito de horror explodiu de minha boca como fogo quando o maldito pastor
passou óleo em minha testa com a ponta do dedo. Aquilo queimou como brasa.
Então ele pôs sua mão na minha cabeça e começou a orar.
-Maldito
desgraçado! – gritei, finalmente eu me entreguei ao ódio, a fúria que crescia
intensamente dentro de mim estava fluindo. -Eu vou acabar com você!
-Diga
seu nome, espírito imundo! – ordenou o pastou, enquanto que uma força terrível
prendia meus braços atrás das minhas costas, fazendo-me estremecer. -Fale
demônio, eu te obrigo a dizer teu nome pelo fogo do Cristo!
-Meu
nome é Nahemah! – eu gritei, gemendo naquela aflição tenebrosa que sobrepujava
minhas forças, aterrorizando-me.
-Desde
quando você está na vida dessa moça? – indagou o pastor, coagindo-me com um
poder terrível, eu podia sentir a presença de seres espirituais trajando
vestimentas brancas ao seu redor. -Revele seus planos imundos pelo sangue do
cordeiro.
-Já
faz um ano que eu a acompanho, eu a segui desde que a vi numa noite na boate. –
as palavras saíam de minha boca sem que as pudesse conter, enquanto eu gemia e
rangia os dentes. -Eu passei a influenciar ela a beber mais e mais, para que
assim eu, Nahemah, filha primogênita de Lilith, considerada a princesa das
Súcubos, demônio feminino da sedução e da luxúria, pudesse possuir seu corpo.
Agora ela é minha!
-Já
basta demônio imundo! – vociferou o pastor -Em nome de Miguel, pelo sangue do
Cristo! Tu vai sair agora deste corpo! Em nome do Cristo saia demônio!! Liberte
essa jovem agora!!
-AAAAHHHHH!!!
– o grito, semelhante ao lamento de um animal sendo abatido, explodiu de minha
garganta. Então uma força poderosa de fogo, começou a me expulsar daquela carne
macia, minhas trevas começaram a ser repelidas pelos olhos, boca e nariz
daquela jovem garota. As pessoas não pareciam ver enquanto eu deixava o corpo
da possessa, como uma fumaça vermelha exalando de seus orifícios e sendo
derramada no chão.
Então
ali estava eu, fora da carne, longe daquele corpo macio e delicioso que eu
trabalhara tanto para que se tornasse minha casca. Do meu ponto de vista eu
enxergava a igreja, a luz que a circundava e o antro de trevas que me envolvia.
Aquela angústia triste, depressiva, suja, circulava meu ser, ancorando-me
naquela densa região umbralina da quarta dimensão do plano astral.
É
por isso que eu odeio os evangélicos. Eu sou um ser eterno, um demônio. Estou
aqui, vagando pela face do abismo há muito tempo e quando vou me divertir na
carne, experimentar sensações que em minha condição original não é possível,
sempre aparece um maldito pastor rodeado de luz para me expulsar.
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