Escrito
por ALLAN FEAR
Eu abri os olhos, sentindo as pálpebras pesarem uma
tonelada, e dei-me conta de que estava em um imundo banheiro público. Meus
braços ainda abraçavam a privada fétida onde minha cabeça repousava.
Levantei-me, sentindo uma lancinante dor de cabeça que
parecia pulsar em minha testa. Inalei aquele odor pútrido e cambaleei pela
porta quebrada, minha visão estava turva, me sentia muito desorientado, como
quem acorda depois de uma noitada épica com muito álcool.
Cambaleei como um maldito zumbi que acabou de sair da
cova até a pia e encarei meu reflexo naquele espelho despedaçado cuja parede de
azulejos encardida estava cheia de pichações e frases obscenas.
Meu rosto velho me encarou de volta, minha careca
brilhava sob a luz pálida que jorrava do teto e profundas olheiras me davam um
ar doentio. Então, forçando a visão na esperança de enxergar melhor, vi que um
filete de sangue vermelho-brilhante escorria de uma ferida em minha testa, onde
a maldita dor pulsava.
Com cuidado, toquei a ferida e senti algo duro sob meu
dedo, tateei melhor e enterrei minha unha na ferida e sufoquei um grito de dor
quando comecei a retirar um pedaço de ferro da minha testa.
Extraí com calma, puxando e sentindo o ferro raspar o meu
crânio à medida que eu o retirava com certa força.
Por fim, retirei aquele corpo estranho da minha cabeça e
o examinei enquanto sentia o sangue descer avidamente pelo meu rosto. Era um
grande prego! Mas como um prego veio parar em minha testa? Pelo tamanho de
quase dez centímetros era para ele ter causado grandes danos ao meu cérebro,
mas eu continuava respirando, inalando aquele fedor de urina com álcool.
Eu joguei o prego sobre a pia, estava pensativo, tentando
entender toda aquela merda. Então reparei que eu estava usando roupas de couro
pretas muito apertadas, por isso sentia aquela dor nos pulmões à medida que
respirava, as vestimentas comprimiam meu tórax de forma absurda.
-AHHHHHH!!!- o grito explodiu de minha garganta quando
aquela dor intensa, hedionda e extrema, invadiu toda minha cabeça, fazendo
flashes de imagens distorcidas e desconexas de criaturas inumanas surgirem em
minha mente, dilacerando-a.
-Você está pronto? – indagou uma voz que parecia
distante, mas pela presença hostil e sombria que encheu minha nuca de
calafrios, soube que aquele ser, cuja voz tinha um timbre feminino, porém
estranho e cavernoso, vinha bem de trás de mim.
Eu abri os olhos, minha visão turva estava vermelha pelo
sangue que descia por meu rosto, e olhei para trás, onde um grupo de três seres
estranhos, trajando vestes negras e com os rostos mutilados, me encararam
solenemente. Havia dor em seus olhos sombrios, mas também havia fascínio.
-ARRRGGHHH!!!- mais um grito, este ainda mais animalesco
que o primeiro, escapou de meus lábios quando senti mais pregos eclodirem por
minha face.
-Aguardemos mais um instante! – falou outra voz, com
timbre masculino e gutural, que me pareceu muito distante devido a minha aflição.
Meus gritos pareciam o de um animal sendo torturado, os
pedaços de dor eram intensos, e atingiram, por fim, um ponto sem retorno, como
um orgasmo que está próximo e então tudo explode.
Um misto de loucura, dor e fascínio tomou conta de minha
mente, fazendo-me sentir a dor dilacerante em minha carne. Os pregos brotavam
de minha face e uma escuridão fria, suja, profunda, pareceu roubar minha alma à
medida que me envolvia.
Então não mais um grito, mas sim um gemido escapou de
minha boca quando todo meu corpo se estremeceu em um calafrio que me fez sentir
os nervos serem destroçados.
Eu suspirei, abrindo os olhos, entregando-me à sórdida
escuridão dentro de mim, e soube que eu estava pronto. A dor agora tinha um
novo significado, tinha um propósito, e eu era parte dela.
Virei-me, ainda me regozijando naquela sensação além da
simples compreensão humana e encarei meus irmãos, os Cenobitas, e dei um passo
para acompanhá-los na nova jornada que se iniciará com aqueles que buscam
alcançar um nível acima dos limites dos prazeres da carne.
-Esperem! – falei com minha voz grossa e imponente. -Está
faltando algo...
Voltei-me para a pia e peguei aquele prego grande, sujo
de sangue, e o coloquei no seu devido lugar, enterrando-o no centro de minha
testa, sentindo-o alfinetar meu cérebro.
Eu dei uma última olhada naquele espelho quebrado. Meu
reflexo expressava o que eu me tornei, uma criatura renascida do fogo maldito.
Eu me voltei para meus irmãos e partimos para outro
reino, onde eu podia sentir alguém tentando desvendar os mistérios da caixa de
Lemarchand.
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