Escrito
por ALLAN FEAR
Após a morte de seu filho
caçula de 5 anos, Ana Lúcia jurou que iria ao cemitério visitá-lo todos os dias.
Ana Lúcia era uma mulher de 37 anos, magra, de boa
aparência e com algumas rugas aparecendo nos cantos dos olhos. Era casada há
pouco mais de 10 anos e agora apenas lhe restava uma filha de 12 anos.
A pobre mulher estava arrasada, passava os dias a chorar.
Seu filho querido havia saído para uma excursão com a turma da escola para uma
bonita cachoeira que ficava nos arredores da cidade. Porém o pobre rapazinho
acabou se afogando. Vitimado pela
brincadeira maldosa de seus coleguinhas que o empurraram na água.
Fazia duas semanas desde a morte do pequeno Matheus e sua
triste e arrasada mãe continuava indo visitar seu túmulo, levando flores,
limpando e conservando com ele como se o menino estivesse ali. Dizendo-o quanto
ela o amava.
Foi então que Ana Lúcia passou a observar uma jovem moça,
que aparentava seus 20 anos, magra, loira e muito bonita, que passava horas em
frente a uma sepultura recente, chorando e chorando. Uma cena tão triste, Ana
Lúcia entendia sua dor.
Quem a jovem moça teria perdido? Um pai? Uma mãe? Quem sabe
um irmão ou talvez um filho?
Com o passar dos dias, Ana Lúcia ficou intrigada com
aquela jovem moça que ficava ali, ora sentada, ora de pé, em frente a uma
sepultura, envolta em prantos e dor.
Foi naquele dia sombrio, silencioso e triste de uma
segunda-feira nublada, havia chovido horas atrás e o cheiro de terra molhada
preenchia as narinas de Ana Lúcia, quando ela adentrou o cemitério levando
flores e um balde com água e produtos de limpeza para o túmulo de seu querido
filho.
Ana Lúcia chegou na sepultura do filho e avistou aquela
jovem mulher, novamente como das vezes passadas, a pobre coitada estava
desolada em frente ao túmulo. Chorando, tão triste. As lagrimas descendo por
seu rosto de pele clara, enquanto ela era incapaz de conter suas fortes emoções.
Intrigada e partilhando de muito sofrimento pela perda de
um ente querido, Ana Lúcia decidiu ir até aquela mulher, talvez uma conversa amigável
pudesse acalmá-la.
-Oi, me desculpe interromper seu momento de tanta dor,
mas recentemente perdi meu filho e estou arrasada também – Falou Ana Lúcia ao
se aproximar da jovem cujas mãos estavam sobre a face, seus ombros tremiam
enquanto ela chorava e soluçava. -Quem sabe podemos conversar um pouco e assim
você se acalma. Meu nome é Ana Lúcia.
A jovem tirou as mãos do rosto e se voltou para Ana
Lúcia, que viu aqueles lúgubres olhos verde-acinzentados e vermelhos. Havia
tanta tristeza naquele olhar suplicante, seu rosto era pálido e moldado pelas
linhas de angustia e dor. Muita dor.
-Você pode me ajudar? – Indagou a moça, numa voz
embargada, falha, quase como um sussurro. Ana Lúcia notou que a jovem usava
Jens e uma blusa laranjada. Ela não sabia dizer se era a mesma roupa dos dias
anteriores, mas de certo era o mesmo estilo.
-Sim, minha querida. O que eu puder fazer por você. –
Disse-lhe Ana Lúcia e exibiu um sorriso amarelo. -Quem você perdeu?
Os olhos da jovem moça encontraram os de Ana Lúcia
enquanto as lágrimas rolavam por sua face pálida. Seus lábios estavam sem cor e
grossas olheiras sombrias estavam embaixo de seus olhos. Ela era tão bonita,
mas toda aquela dor e amargura a tinham empalidecido, como lindo desenho em
papel que é amassado e pisoteado.
-Preciso que você me tire daqui eu não aguento mais esse
lugar. – Falou a jovem entre soluços, seus ombros tremendo, a dor indizível
afligindo-a. -Já faz dias que estou aqui, sofrendo, lamentando ante este
túmulo. Eu não estou suportando mais essa aflição...
Aqui jaz Lizza Dalkher, 22 anos.
Foram as palavras que Ana Lúcia pronunciou em voz alta
lendo a lápide ao lado da jovem moça.
-Lizza é sua irmã? – Indagou Ana Lúcia voltando o olhar
para a jovem que pareceu confusa com sua pergunta, como se a pronuncia do nome
a fizesse estremecer em uma confusa noção de realidade.
-Eu não tenho irmã. – Por fim a jovem falou, piscando e
encarando Ana Lúcia. -Eu sou Lizza Dalkher, é meu corpo que está enterrado aí.
Um arrepio gelado invadiu o corpo de Ana Lúcia, fazendo-a
estremecer e cambalear um passo para trás enquanto estudava o pálido rosto da
jovem. Tentando entender se ela estava fazendo uma piada ou se, de repente,
estava enlouquecendo.
-Você não está fazendo qualquer sentido, eu perdi um
filho, por favor, não tente me assustar está bem? – Balbuciou Ana Lúcia
confusa, de repente sentindo um súbito mal-estar. -Desculpe ter me intrometido,
eu preciso ir...
-Não! – Gritou a jovem, havia tristeza e fúria
em seus olhos que fuzilavam os de Ana Lúcia, -Você disse que me ajudaria a sair
daqui e eu preciso sair deste lugar horrível. Mas sempre que tento meu corpo me
puxa de volta! Mas agora tive uma ideia que pode funcionar.
Ana Lúcia estava com medo, tentou se virar e correr, mas
a jovem moça pulou sobre ela e um indescritível calafrio gélido, angustiante e
depressivo invadiu todo seu corpo, congelando seus ossos, enquanto que de forma
sobrenatural aquela garota se desfez em pleno ar, como se ambas houvessem se
fundido em uma só pessoa.
Ana Lúcia sentiu uma espécie de névoa fria, como uma
fumaça espessa, áspera e com um horrível gosto de podridão invadir suas narinas
e boca, sufocando-a instantaneamente.
Ana Lúcia sentiu-se tonta, seus olhos se encheram de
lágrimas e toda aquela tristeza da jovem moça a invadiu se misturando a sua dor
e trazendo consigo um horror nefasto como se sua alma estivesse sendo
despedaçada. Ela queria gritar, mas não podia, pois aos poucos ela começou a
cair em uma escuridão profunda que a envolvia. Uma escuridão onde ela podia
ouvir choros e gritos. Tão triste. Mas não havia como lutar contra aquela
escuridão que terminou por engoli-la.
-Agora sim poderei sair deste lugar maldito! - falou Ana
Lúcia, mas já não era ela no controle do seu corpo e sim o fantasma melancólico
de Lizza Dalkher que a havia possuído.
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