Escrito
por ALLAN FEAR
Harrison despertou no meio daquela chuvosa noite com um
barulho de vidro sendo quebrado no andar de baixo de sua casa. Ele já tinha
sido vítima de assalto tarde da noite, aquele havia se tornado um lugar
perigoso.
O homem velho, porém, ainda com certo vigor, pegou sua
espingarda que repousava embaixo da cama e saiu para o corredor, na surdina,
pronto para surpreender os assaltantes.
“Desta vez vocês não vão me surpreender seus
miseráveis.”- pensou Harrison, sentindo as amargas lembranças de uma noite, há
quase três meses, quando foi surpreendido por assaltantes na calada da noite e
não conseguiu salvar sua amada esposa Isabel e muito menos matar os ladrões.
“Jamais dormi desde aquela noite maldita, eu estive preparado todos esses
longos meses. Preparado para me vingar!”
Harrison começou a descer as escadas, ouvindo as vozes
dos meliantes lá embaixo. Eram dois rapazes, ele podia distinguir pelas vozes.
Suas lanternas brilhavam, rasgando a escuridão no primeiro andar. Estavam
apreensivos.
“Nem mesmo no campo estamos livres desta escória.”-
pensou Harrison- “Mas hoje os matarei, eu farei a justiça acontecer por minhas
mãos!”
Os bandidos não podiam ouvir a amarga promessa de
Harrison, mas isso não importava, ele a faria se cumprir.
Harrison desceu as escadas, estava oculto pelas sombras,
com um sorriso perverso em seu rosto envelhecido. Tinha a espingarda na mão e
andava com cautela, sendo guiado pela luz das lanternas e os diálogos dos
delinquentes que iam em direção a sala.
O horror brilhou nos olhos de um dos bandidos quando
Harrison surgiu e apontou-lhe a arma. O bandido se virou, fitando-o.
-AHHHHH!!!- gritou o rapaz e tombou ante o tiro disparado
por Harrison. O segundo marginal, igualmente assustado, tentou fugir pelo
corredor que levava aos fundos da casa, mas Harrison, com fôlego de causar
inveja em muitos quarentões por aí, o alcançou e saltou sobre ele. Sua
espingarda caiu, mas ele agarrou o bandido e afundou suas mãos em sua traqueia
com um aperto assustadoramente forte à medida que o derrubava.
Pouco depois Harrison ouviu um barulho e viu dois homens
adentrando sua casa. Ele ficou apenas observando de um canto escuro da sala. A
espingarda estava quase no final do corredor, muito longe para alcançá-la sem
ser visto.
-Parece que aqueles dois invadiram a casa do Velho
Harrison Fourmen! – falou em tom baixo um dos homens, que usava um bigode. -Dê
uma olhada lá em cima, o velho reside sozinho, a esposa foi morta há uns três
meses vítima de uma invasão domiciliar.
-Aqueles miseráveis, estão nos dando canseira! – murmurou
o outro homem indo para as escadas com a arma em uma mão e a lanterna na outra.
-Primeiro roubam um carro, depois a loja dos Martins e agora invadem uma casa.
-Mas que merda!!- exclamou o homem de bigode, Harrison
pôde ver que era um policial, um conhecido seu, ao encontrar os corpos sem
vida, um na sala e o outro no corredor próximo. -Ei, Roger, eu encontrei os
miseráveis. Estão mortinhos da silva! Mas não vejo ferimentos nos corpos, eu
poderia jurar que eles morreram de m...- o policial de bigode não conseguiu
terminar sua frase, pois o outro oficial surgiu na porta, com uma expressão de
espanto no rosto e disse:
-Alison, você não vai acreditar! – fez uma pausa, como
que escolhendo as palavras certas para dizer e completou: - Encontrei o velho
Harrison em seu quarto, mas ele já está morto há pelo menos um mês. Já está
apodrecendo e pelo que vi deve ter morrido dormindo, eu diria um infarto devido
a sua idade avançada e a careta de dor congelada em sua face.
-O quê?! – a expressão no rosto do policial de bigode foi
de puro e completo assombro. Ele iluminou os corpos no chão com sua lanterna e
indagou: -Mas, então quem diabos matou esses dois?
-Não sejam estúpidos, estou bem aqui seus incompetentes.
– falou Harrison, saindo das sombras e encarando os policiais. -Fui eu quem
matou esses dois filhos da puta! Ei, o que há de errado com vocês?
Ao se virarem, os policiais, apreensivos, encaravam o ser
que surgia diante deles. Seus rostos foram tomados, na verdade desfigurados,
instantaneamente, por uma carranca de horror, pois aquilo que estava diante
deles não era humano, era algo hostil, decadente, não apenas de uma feiura
indizível e horripilante, mas grotesca, tão vil quanto as criaturas que habitam
os pesadelos mais tenebrosos. Gritando, apavorados, os dois policiais saíram
correndo daquela velha casa onde aquele ser, que não mais guardava nenhum traço
humano, residia, esperando em seu tormento eterno o momento de se vingar.
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