Escrito
por ALLAN FEAR
CAPÍTULO 1
Era um dia quente de verão, acordei
cedo, tomei uma ducha e engoli um café quente e forte. Isso sempre anima meu
dia, sentia falta da minha velha, a minha pobre esposa que Deus a tenha.
Meu
nome é Clóvis Ernesto, já estou na casa dos 65 e o que vou contar é algo bem
estranho que me aconteceu há exatos 3 dias.
Passei
um pente para dar um jeito nos fios de cabelo brancos que circulavam minha
careca e ganhei a rua. Era dia de vacinação para idosos ou, pé na cova, como Harold,
um amigo já na casa dos 71, costumava dizer. Eu odeio filas, por isso me
levantei bem cedinho e foi para o centro médico.
Eu
residia em uma cidade do interior Paulista chamada Ariranha, que tinha quase
uns 10 mil habitantes. Quando era mais jovem eu vivia nas grandes cidades e
olha onde vim parar.
Foram
uns 5 minutos de caminhada até o centro médico. Cheguei e aguardei abrirem os
portões. Uma pequena fila se formou atrás de mim, composta em sua maioria por
lavadeiras que falavam como maritacas e que adoravam dizer como a vida estava
uma merda, como os maridos as tratavam mal, a velha ladainha da porra. Eu só
bufava qualquer coisa e elas achavam que eu estava dando a mínima para a merda
de suas vidas.
Por
fim um jovem segurança abriu os portões e eu adentrei o centro médico. Fui o
primeiro a ser atendido, entrei numa sala pequena e a enfermeira, gorda como
uma porca, terminou de ingerir seu café da manhã, um grande pão de sal com
linguiça e um copo de suco de laranja, ela sorriu para mim exibindo seus dentes
amarelos. A pele era clara e o nariz pontudo sempre me lembrava uma grande
ratazana gorda. É, eu sei, sou um tanto quanto rabugento, mas depois de certa
idade a vida fode mesmo com você e eu andava sempre irritado depois que a minha
esposa morreu há uns 2 anos.
A
enfermeira, que usava um jaleco meio encardido abriu o lote de vacinas e tirou
uma ampola, espetou uma agulha e absorveu o líquido amarelado, muito parecido
com urina.
-Não
vai doer nadinha Sr. Clóvis- Garantiu ela, achando que eu fosse a porra de um
moleque. -É como uma...
-Aplica
essa merda logo! - bufei carrancudo; -Já tomei tanta injeção que nem sinto mais
nada, também pudera, a pele do meu braço tá igual à do meu saco.
Ela
murmurou algo e aplicou a vacina no meu braço. Não senti a picada, não senti
nada.
Mas
quando me levantava para ir embora, todo o meu corpo começou a se debater em
uma convulsão intensa, eu não conseguia me controlar, babava e me debatia
compulsivamente até que, por fim, estatelei no chão e tudo ficou escuro como
breu.
CAPÍTULO 2
Não
sei por quanto tempo perdi os sentidos e fiquei desmaiado, só me lembro que de
repente recobrei a consciência, mas não podia me mexer, estava com todo o corpo
paralisado.
Eu
estava deitado, isso eu sabia, mas não conseguia me mexer, meus olhos estavam
fechados, tudo era um breu desgraçado.
Então
prestei atenção e percebi que havia pessoas ao meu redor, choramingando,
sussurrando, murmurando. Eu tentava falar, mas não conseguia.
-Que
diabos está havendo porra? – por fim a voz saiu de minha boca e pude me mover e
então ouvi coros de gritos apavorados.
Olhei
ao redor e vi meus amigos, meus parentes, como a tia Dalva e o primo Tomás, e
percebi onde eu estava. Era uma sala com coroa de flores, pessoas vestidas de
preto. Eu estava deitado em um caixão. Isso mesmo, os filhos da puta estavam me
velando, já preparando para me enterrar. Um coroa não pode desmaiar que já pensam que
empacotou.
Nunca
xinguei tanto, bati o recorde de palavrões, atirei as flores de defuntos em
cada um deles, Tia Dalva caiu dura no chão ao me ver saindo do caixão.
Deixei-os
lá, assustados, incrédulos, apavorados e voltei para minha casa. Meu estômago
roncava de fome. Uma fia chuva de verão salpicava a rua.
Cidade
do interior é uma porra, você não pode nem desmaiar que já querem te enterrar,
a sorte é que não tenho nem um centavo senão já teriam dividido tudo entre eles.
Em
casa tirei um frango assado da geladeira e o devorei em minutos ainda frio. Fui
para o banheiro me livrar daquela sensação de defunto, aquela estranheza
desagradável, tinha a impressão de que tinha mergulhado em uma piscina de formol
e fedia a hospital, precisava de um banho.
Mas
quando entrei no banheiro e olhei no espelho eu vi que tinha algodão no meu
nariz. Os tirei, estranhando que não havia atrapalhado a minha respiração, mas
que respiração? Notei que eu não estava respirando.
Tirei
a camisa e vi o grande T costurado com grandes pontos que ia do meu peito até a
barriga, era a marca da autópsia.
CAPÍTULO 3
Para meu completo horror, notei que não
sentia nada. Não havia dor. Ao checar o peito, reparei que meu coração não
batia. Eu estava mesmo morto? Afinal eu havia me tornado a porra de um
morto-vivo?
De
repente soltei um arroto monstruoso e comecei a vomitar todo o frango assado
pelo banheiro. Manchando os azulejos branquinhos.
E então a fome
voltou pior, como uma dor lancinante, desesperadora.
Mas
se eu era mesmo um morto-vivo eu precisava comer carne humana certo? Não era
isso que os errantes comiam nos filmes? Se dizem que come então deve haver
algum fundamento.
Pode
parecer bizarro acordar em seu próprio funeral e descobrir que você não está
morto, mas também não está vivo, e que de alguma forma consegue falar, andar e
sente uma fome do cão. Na verdade, a fome meio que estava me dominando, mesmo
que eu tentasse pensar em outras coisas, tudo que importava era me alimentar e
matar aquela fome angustiante e feroz que parecia estar me corroendo por dentro.
A
campainha tocou. Eu corri para a porta do meu barraco e escancarei-a. E lá
estava o meu velho conhecido, o Doutor Rubens, o médico da cidade.
Assustado,
me olhando incrédulo ele adentrou o aposento. Fechei a porta atrás dele.
-Você foi diagnosticado morto há 3 dias meu
caro Clóvis. - começou o Doutor, coçando o queixo de barba rala enquanto me
encarava fascinado. Era um homem já na casa dos 60. Baixinho, gorducho e de
pele rosada, como um leitão. -O lote da
vacina veio com problemas e isso foi o motivo de sua morte, causando uma alta
dosagem de adrenalina no seu sangue e posteriormente uma parada cardíaca. Mas
aqui está você; vivo! Isso é um milagre, mas precisamos ir para o centro médico
agora, fazer uns exames e...
Eu
não deixei ele terminar, sua cara redonda, me fitando excitado pelo fascínio do
milagre de minha volta, me deixou com fome, muita fome, então o ataquei,
agarrando seus ombros e dando a maior mordida faminta em seu pescoço, devorando
um grande e suculento pedaço de carne.
Eu
havia mordido a jugular do doutor, fazendo seu sangue vermelho brilhante
jorrar, como um bebedouro para vampiros.
CAPÍTULO 4
Um
banquete, eu me esbaldei daquele velho obeso, gordo como um suíno. A carne
humana parecia doce, suculenta, uma iguaria que derretia entre meus dentes, o
caldinho morno do sangue descendo pela minha garganta ia acalmando minha
ferocidade, saciando minha fome.
Ainda
era eu, mas um novo eu, o senso de moral havia desaparecido, deixando-me ser
dominado pelo puro instinto de sobrevivência.
Eu
me esbaldei, sem remorso, sem pena, sem me importar, assim como todo mundo faz
ao comer a carne de um animal no almoço, sem dar a mínima para quem era aquele animal.
Apenas devorando a refeição mais importante do dia.
Mas,
passados uns minutos, eu comecei a vomitar em grandes jatos toda aquela carne.
Nada parava em meu estômago. E a fome recomeçava, cada vez pior.
-Mas
que porra de zumbi eu sou caralho? - berrei, furioso, dando um chute na cabeça
gorda do doutor que estava sobre o carpete da sala. -Aaaaarrrgggg!!!
Eu estava
enlouquecendo, a fome era terrível, era como se fosse uma dor por todo o corpo,
uma dor terrível, o estômago roncava, se contraía, eu precisava comer, mas o
quê? Não era carne humana dos vivos que zumbis comiam nas porras dos filmes?
Desesperado
eu corri para meu quarto e peguei meu 38 carregado, coloquei o cano na cabeça e
me preparei, afinal, se zumbis na vida real não comiam carne humana como nos
filmes, quem sabe morreria com um tiro no cérebro.
Puxei
o gatilho e... BANG!!
CAPÍTULO 5
-Puta
que pariu. Caralho, caralho... que dor...- A bala em meu cérebro provocou uma
sensação pior que um exame de próstata. Incomodou pra cacete e mais uma vez não
funcionou. Tudo que já havia lido e visto sobre zumbis estavam errados.
Mordi as costas
da minha mão na esperança de passar a dor no cérebro. Era algo que eu sempre
fazia em vida, tentava provocar uma dor para esquecer a outra.
Mas
quando dei por mim estava mastigando um pedaço da minha mão e o sabor era muito
agradável, delicioso. A dor na cabeça parou e comecei a ter uma sensação de
prazer, estava me saciando, mordi outro pedaço, mais um...
Quando
finalmente me senti saciado, já havia comido todo o meu braço, sobrou apenas o toco
do ombro. Joguei o osso do braço no chão e arrotei.
Estava
realmente satisfeito, alimentado e dessa vez não passei mal.
Eu
estava me sentindo muito bem, poderia morrer feliz fazendo o que eu mais
gostava enquanto vivo ou depois de morto: comer, e o prato principal era eu.
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