https://www.youtube.com/watch?v=1sFT0L3C3fw&t=578s

Escrito por ALLAN FEAR

Verão de 1958

O vento soprava estalando os galhos secos das árvores, o vestido da pequena Nora de 6 anos agitava. Seu cabelo castanho se lançava ao vento, ela terminava os ajustes finais do castelo de areia úmida com as mãos e uma pá de plástico cor-de-rosa.
            Passava pouco das três da tarde. Nuvens cinzentas flutuavam baixas no céu. Finas gotas de água alfinetavam a pele da menina.
            Mas ela não ligava, ela queria construir o castelo. Ela sonhara tanto com isso. Poder ter um castelo para sua princesa.
            A mãe de Nora estava há alguns metros, sentada em um banco de madeira do parquinho ecológico de Santa Mira. Ela conversava com uma amiga de longa data.
            Nora mordia o lábio inferior enquanto dava os últimos acabamentos em sua obra de arte. Seu vestido vermelho de bolinhas amarelas parecia querer seguir o vento.
            O parquinho ecológico estava quase deserto, poucas crianças se divertiam nos escorregadores e balanços.
            -Terminei!!- comemorou Nora. Um sorriso de triunfo brilhou em seus lábios. Ela pegou sua bolsa e tirou a boneca da princesa que ganhara no natal passado. 
            -Veja o seu castelo encan...- ela não terminou a frase.  Como poderia? Sua boca se escancarou em um O de surpresa e horror ao ver um pé calçado um tênis em cima de seu castelo.
            “Arruinado! ” ela pensou amargamente. Levantou seus olhos furiosos para encarar Ugo, um menino gorducho com cabelo avermelhado que está sempre caindo em seus olhos e um rosto sardento. O garoto lhe exibia um sorriso de deboche.
            Outras duas garotas estavam perto de Ugo, ambas magras e sorridentes.
            Nora os conhecia, eram da mesma escola. E eles estavam sempre apoiando Ugo em suas maldades.
            -Construa outro castelo boboca. - Ugo disse gargalhando –Esse teve que ser demolido devido a erros inaceitáveis na estrutura.
            Lágrimas escorreram queimando a face de Nora.
            Não satisfeito com isso Ugo arrancou a boneca das mãos dela e a arremessou dentro da lagoa que ficava há alguns metros.
            Nora soluçou.  Sentiu suas veias pulsarem. Cerrou os punhos com muita força. Começou a tremer. Uma espécie de névoa roxa parecia exalar de suas narinas. Um odor putrefato a envolveu. O ódio deixou sua visão escura.
            Os garotos não passavam de sombras. Tudo era surreal agora. Um zumbido de algo quente, talvez larva, borbulhava em seus ouvidos.
            Nora fechou os olhos. Cerrou os dentes, que rangiam uns nos outros. Ela começou a fazer força. Todo seu corpo tremia numa convulsão frenética. Ugo ria como um animal ensandecido.
            Nora soltou um longo rosnado.  Um cheiro de carniça poluiu o ar. Ugo ia reclamar, mas ele engasgou.  Colocou as mãos na garganta rechonchuda com pelo menos três papadas, seu rosto começou a tremer, sua pele ficou roxo-cintilante, a cara gorda inchou mais. Seus olhos giravam descompassados nas órbitas.
            Ugo começou a babar. O liquido espesso e espumante desceu por seu queixo enquanto suas amigas o fitavam horrorizadas.
            Nora continuava petrificada, concentrada naquele transe alucinado.
Ugo estava sufocando, cambaleando como um morto-vivo, as amigas se afastaram, o gordo estava inchando mais e mais, a pele toda se escurecendo.
            Então para o espanto das amigas, Ugo cambaleou alguns passos, balançando como um João-Bobo, e caiu pesadamente próximo a uma árvore, sua cabeça fez o mesmo som grotesco de um ovo se quebrando quando bateu pesadamente em uma pedra.



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Verão de 1963


-Muito obrigado Nora.- Diego sorriu entregando uma caixa de bombom para Nora. -Se não fosse por você eu estaria perdido.
            -Nossa! São os meus favoritos. –A garota pegou a caixa de papelão com um braço e deixou os cadernos e livros no outro. –Sempre que precisar de ajuda em matemática é só me avisar.- ela exibiu um sorriso metálico.
            -Hei! Nora gritou quando a caixa de bombom foi arrancada de sua mão. Ela olhou assustada e viu o ladrão.
             -O que você pensa que está fazendo?- gritou Estela, a patricinha mais popular do colégio. –Diego é meu namorado, não vou deixar que se insinue para ele assim.
            Estela jogou a caixa no chão e a pisoteou. Diego corou. Não sabia para onde olhar. Ela se voltou para Nora e a empurrou, seus cadernos e livros caíram quando bateu suas costas duramente nos armários que ladeavam o corredor.
            -Quem você pensa que é para dar em cima do meu namorado?- gritou Estela apontando o dedo na cara de Nora, que franzia a testa tentando explicar a situação.
            Uma rodinha de jovens se formou no corredor, todos olhavam a cena e começaram a entoar um canto:
            -Briga!! Briga!! Briga!!
            Estela começou a desferir uma, duas, três bofetadas no rosto de Nora, puxou seus cabelos e começou a bater sua cabeça contra um dos armários.
            -Pare!!- Nora chorava tentando se proteger.  Um filete de sangue vermelho-brilhante escorreu por sua testa.
            E então os olhos de Nora mudaram. Eles ganharam um tom sombrio, o verde se apagou e se tornou cinza, e logo preto. Ela engasgou quando uma fumaça roxa escapou de sua boca. Um gosto azedo deu um nó em seu estômago.
            Ao sentir o odor de podridão Estela parou os tapas, cambaleou grogue para trás, a pele de pêssego ganhando um tom esverdeado.
            -OHHH!!!- um coro sinistro ecoou pelo corredor quando os olhos de Estela começaram a pulsar.  Ficando cada vez mais inchados, até o ponto de saltarem das órbitas como azeitona na boca de um banguela.
            Os dois globos oculares caíram no chão com um nojento “Plop!” e se deformaram  como se estivessem fervendo.
            Lágrimas de sangue, em dois filetes, começaram a escorrer das órbitas vazias de Estela.  Manchando suas roupas, criando uma enorme poça no chão.
           
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Noite de inverno de 1971

Enquanto a chuva caía em abundância lá fora, Nora sentia a temperatura aumentar. Ela estava com seu namorado, Breno, no quarto dele. Eles não usavam mais que suas roupas de baixo.
            -Finalmente- murmurou Breno, os olhos faiscando. - ele pegou pela alça da calcinha de Nora quando ela o conteve.
            -Não...- sussurrou ela. A voz embargada. –Espere, eu...
            -Você o quê? - rosnou Breno abrando os braços, ficando de joelhos na cama ao lado dela. 
            Nora olhou para aquele corpo musculoso. Ela sonhara que ele fosse seu namorado, mas por que ele queria apressar tanto as coisas? Por que tinha que querer sexo assim tão depressa?
            -Te amo.- disse ela docemente  pegando no rosto de Breno, mas ele se afastou, seu olhar estava endurecido. –Acho que não estou preparada para isso agora. Você pode entender, não é?
            Ele mudou sua expressão, transformando seu rosto bonito em uma carranca de ódio e fúria.
            Ela sequer viu sua mão se movendo quando a estapeou. Ela gritou de dor e sentiu seus cabelos sendo puxados.
            -Já sei do que você gosta sua vadia!- ele sorriu maldosamente a puxou e a deitou na cama, ela ouviu o som de sua calcinha sendo rasgada, ele abriu suas pernas  e sua visão ficou turva.
            Ela sentiu o odor de carne podre, sentiu também aquela estranha fumaça emanar de seus poros.  Os olhos se apertaram e tudo virou um borrão cinza e preto à sua volta.
            Os gritos explodiram no quarto.  Nora podia ouvir Breno gritando. De novo e de novo. Com toda a potência de sua voz, que começava a fraquejar.
            Os cortes começaram a surgir em sua pele. Seu corpo malhado e bronzeado era rasgado como manteiga. Ele não via nada, ninguém o atacando, mas mesmo assim sua pele era rasgada, trucidada, fazendo seu sangue vermelho-púrpura jorrar em jatos.
            Um rasgão no rosto fez sua bochecha cair como geleia em cima da cama. Outro corte e seu peitoral caiu sobre sua barriga.
            Breno desabou pesadamente sobre o lençol antes branco, agora muito vermelho embebido de sangue, e começou a agonizar...
            Gritando...
            Uivando...
            Gemendo...
            Até o silêncio da morte o calar.
           

Nora ainda estava tremendo, toda encolhida num canto da cama abraçando os joelhos contra o peito, quando os pais de Breno chegaram e se depararam com aquele horror!
            Pobre Nora! No início ela foi presa, mas logo a internaram no hospital psiquiátrico de Simon Hill, que ficava nas extremidades de Santa Mira, no alto de uma grande colina.
            -Não se preocupe. - sussurrou o Dr. Simon Hill quando Nora foi levada para ser internada.  Seus olhos a estudavam como se ela fosse uma aberração. –Eu cuidarei muito bem de você!


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1ª Noite na Colina do Horror

Nora abraçava os próprios joelhos encolhida no conto da cama de sua cela. Tudo tão branco, envolto em sombras, mas mesmo assim o branco predominava.
            Talvez fosse meia-noite, talvez mais, talvez menos. Mas ao cair da noite os internos eram trancafiados em suas celas.
            Nora ouvia, além de sua respiração ofegante, o som de horror que ecoava pelos corredores do hospital de loucos.
            -Ahhhhh!!!- berrava um detendo numa voz grave e cavernosa. –Eu quero meus amendoins. Devolva meus amendoins.
            -Saiiiiiiiiiiiiiiii- Uivava outro numa voz velha e esganiçada. –Não seu abutre, a sonda anal de novo não. Nãooooooooooooooooo!!!
            -Ahhhh- explodia um grito de mulher, tão agudo quanto o som de giz no quadro negro.  Depois ela soltava uma risada debochada –Ré, rê, rê, Rá, rá, rá...
            Ela ouviu uma pancada na porta. Levantou o olhar, silêncio. Andou na ponta dos pés até a pequena porta, se esgueirou e tentou ver o corredor. Estava vazio. Uma pálida luz amarela jorrava sobre o chão.
            -Meus amendoins. - o grito quebrou o silêncio, fazendo Nora sentir seu peito doer com as batidas fortes do seu coração. Ela voltou para seu canto.
            Ela balançava a cabeça, apertava os ouvidos com as mãos, tentando ignorar aqueles sons desagradáveis. Levantou-se novamente e foi até o filtro num canto do quarto.
            Nora pegou um copo descartável e abriu a torneirinha, ouviu a água escorrer, fechou e o levou a boca.
            No primeiro gole de água sentiu aquela coisa grossa e pegajosa que passou queimando sua garganta. Cuspiu e levou o copo na altura dos olhos. Na penumbra pôde ver os inúmeros vermes, gorduchos e castanhos que nadavam dentro do recipiente.  E soube com horror que um deles estava indo pro seu estômago.

             

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2ª Noite na Colina do Horror


O dia de Nora foi menos horrível. Sozinha em sua cela, ela ainda guardava as lembranças.
            Nora lembrava do copinho com água e os dois comprimidos que a enfermeira lhe serviu de manhã. Depois tomou aquele café morno com pão mole. E ela viu os loucos perambulando por uma das alas onde ficava uma TV, cuja programação era desenhas animados.
            Agora Nora estava ali, trancafiada novamente, para mais uma noite naquele lugar horroroso.
            Sentada na cama, ela se entretinha com os pensamentos que se amontoavam sobre sua cabeça.
            O silêncio sepulcral da noite era quebrado vez ou outra por ruídos e gritos que explodiam das celas.
            Nora tinha os braços cruzados sobre o peito, as mãos submersas em suas axilas. Em sua face uma carranca estava congelada. Profundas olheiras estavam embaixo de seus olhos avermelhados.
            Pobre Nora. Sozinha, no silêncio, na penumbra depressiva, ela sentia a angustia.
            Tanto horror em sua vida. As visões de terrores passados ainda a assombravam. Ela podia se lembrar das cenas desagradáveis que ela causou. Do ódio que a corroía por dentro.
            O mal, o poder demoníaco que ela tinha. O poder que a transformou em uma assassina demente.
            Mas Nora não sentia o arrependimento. Era uma sensação pior. Ela era um monstro.
            Nora só queria uma vida, uma chance de ter um namorado, de ir ao shopping...
            Nora só desejava o que as pessoas fazem normalmente. Mas ela sabia que nunca seria normal.
            Ela sentiu lágrimas rolarem, queimando sua face pálida. Tanta dor, tanto medo, e agora ali estava ela, trancafiada em uma cela em um hospital para doentes mentais.
            Tão triste. Ela poderia estar chorando porque o namorado estava dando em cima de outra garota, ou porque estava chateada com sua chefe que queria demais dela, ou poderia estar preocupada porque a conta chegou e ela ainda não tinha dinheiro para pagar.
            Mas não. Ela chorava porque era uma ameaça para a humanidade. Porque estava muito ferrada. Ninguém poderia ajudá-la. Estava por si só.
            Um Clique ruidoso a fez dar um pulo. Ela olhou e viu a porta da cela  abrir lentamente.
            Nora esperou a enfermeira entrar, mas isso não aconteceu. Ela ficou de pé e andou até a porta, espreitou para o corredor escuro e silencioso.
            Quando ela saiu, sentindo seus pés descalços sobre o frio piso de cerâmica, ela viu, ao longo do corredor cumprido, uma garotinha, que usava um pálido vestido branco amarrotado, seu cabelo muito preto ia até o meio das costas.
            Nora andou a passos rápidos para alcançá-la, de alguma forma ela tinha aberto a porta. Era sua chance de fugir.
            A garotinha, de costas par Nora, correu e virou à direita no próximo corredor. Nora correu em seguida, mas quando chegou na esquina, a criança tinha sumido. Um longo corredor, ladeados por portas se estendia até as trevas ocultarem tudo. Apenas algumas pálidas luzes jorravam do teto.
            Nora começou a andar pelo corredor, o piso ficando mais gelado a cada passada. Mais à frente uma lâmpada piscava no teto, fazendo as sombras dançarem.
            O Silêncio era total. Ela percebia alguns murmúrios vindo das celas.  Em outra cela um dos internos segurava as pequenas barras de ferro das grades na porta, seus olhos faiscaram quando a pobre garota passou.
            Quando Nora saiu em outro corredor, ela olhou para o caminho da direita e viu uma figura caminhando pesadamente em sua direção. Ruídos de corrente sendo arrastados chamam sua atenção.
            Quando o estranho começa a se aproximar, ela sente o medo, aquela sensação de horror mudo, invadir seu corpo.
            Nora vê um homem grande, gordo, com a cabeça redonda, sem cabelo, e o rosto distorcido em uma carranca de ódio, segurando uma grossa corrente, vindo para ela.
            -Oh!- exclamou Nora aturdida. Ela começou a correr para o caminho da esquerda, fazendo uma curva. Mas logo ela se apoia em uma parede para tomar fôlego e tenta escutar.
            O que estaria acontecendo? Havia um lunático no hospital soltando os insanos de suas celas?
            -Meus amendoins...- um grito explodiu na cela ao lado, o maluco com as mãos pesadas nas grades da porta, a fazia balançar violentamente. –Eu quero meus amendoins!! Foi você sua maldita! Você roubou meus amendoins. Devolva-os para mim.
            O homem barbudo, quase banguela, gritava ensandecido, uma baba grossa e espumosa descia de sua boca.
            Assustada Nora saiu dali. Aquela berraria logo atrairia o sociopata com as correntes.
Ela ia apressada quando mãos a puxaram para uma sala na penumbra.
            -Shhhh!!!- fez uma velha colocando o dedo indicador nos lábios. Nora podia sentir um insuportável odor de urina azeda vindo da velha, cujo cabelo branco era crespo e estava solto. Seus grandes olhos eram iguais aos de sapos.  Fitavam Nora de forma esbugalhada. O menor esforço e eles pulavam para fora das órbitas.  A velha bateu a porta, e o clique da tranca ecoou no silêncio.
            Um estrondo como de um trovão explodiu na cela devorando o silêncio.  
            Nora gritou e olhou assustada, era o grande homem das correntes que entrou pela porta que acabou de arrombar.
            O homicida exibiu um sorriso diabólico e fitou Nora, dando passos lentos em sua direção.
            -Mate ela! - Gritou a velha agarrando Nora por trás, os dedos ossudos apertando seus braços. –Vamos trucidá-la e pendurar os ossos em nossas celas.
            -Sim!- vociferou o homem num tom cavernoso, os olhos devorando Nora. Ele tateou e acendeu a luz, que jorrou no aposento, mostrando que a feiura do homem era abominável.
            O infeliz tinha a cabeça em formato de melancia, era 2 vezes maior do que deveria ser. Seu olho direito estava inchado, enquanto o esquerdo, inflamado e cheio de pus, estava quase fechado, uma cicatriz, semelhante a um órgão sexual feminino, se espalhava em sua bochecha gorda, o queixo partido ao meio como uma bunda tinha inúmeras papadas. Da bocarra aberta, o fedor de mil privadas poluía o ar. Nora sentia a carniça miserável.
            -Eu vou comer você viva! - Nora ouviu o homem falar, e sentiu sua língua, como um grande e nojento verme gordo, passar por seu rosto, o cheiro fedia a carniça.
            Os olhos de Nora fitavam-no com horror. Ela sentia a baba pegajosa em sua pele, cara a cara com aquele lixo-humano.
            E então o beijo. Sim, aquela criatura desgraçada a estava beijando, enfiando sua língua podre em sua boca.
            Nora não viu mais nada, porque a escuridão a envolveu.
            Começou com o grito animalesco que escapou pela garganta de Nora, a fumaça roxa exalava de seus poros, a putrefação a envolvia.
            O homem parou o beijo com um grito muito alto e cambaleou para trás, vendo sua língua ficar presa entre os dentes de Nora, o sangue enchia sua boca.
            E então para seu horror, sua pele morena começou e se inflamar, milhões de bolhas começam como catapora, até evoluírem, muito rapidamente, para monstruosos furúnculos que se inflamam até o tamanho de laranjas. Ele grita cambaleando, as correntes balançando em suas mãos. Um dos caroços inflamou e empurrou seu olho direito para fora das órbitas, o globo ocular caiu no chão e foi pisoteado pelo próprio homem, que cegado pela dor chegava ao seu limite.
            As bolhas começaram a estourar, dúzias de estouros de uma só vez, fazendo aquele liquido verde, amarelo e branco voar para todos os lados.  Um dos caroços inflamou em sua testa, e começou a inchar até o tamanho de uma bola de futebol com veias salientes, até a explosão final, que fez seu cérebro espalhar por toda a cela.
            A velha cambaleava incrédula, chocada, então Nora se voltou para ela, com seus olhos negros, tomados pela escuridão, ergueu sua mão esquerda, e como se dando um comando silencioso, fez a idosa ser levantada em pleno ar, para em seguida, seus ossos começarem a se contorcer, até a estalarem, quebrando suas juntas, uma a uma, os músculos estourando produziam o mesmo som de quando se pisa em uma barata com força.
            A anciã berrava, os ossos perfurando sua pele a medida em que iam se partindo, o quadril girou em um ângulo impossível, o que fez seu pulmão pular para fora da barriga estripada, em seguida o pescoço deu 360º, sufocando-a com o silêncio da morte. Seus restos mortais se espatifaram no chão em um amontoado de carne, ossos e um lago de sangue.
            Nora caiu de joelhos. Ela tremia, sorria e chorava, as lágrimas rolando. O olhar enlouquecido no rosto pálido.
            Sacudindo a cabeça, como que para se livrar daquelas imagens horrorosas que serpenteavam em sua mente, Nora se ergueu, as pernas trêmulas, e num impulso que pareceu consumir suas últimas forças, ela saiu pelo corredor.
            Nora engoliu amargamente um grito de frustração quando deu de cara com um bando de três ou quatro enfermeiras, que habilmente a envolveram em uma camisa de força.
            Na luta para escapar Nora sentiu a picadinha no braço esquerdo, em seguida sua visão começou a embaçar, e tudo ficou negro como a noite!

***

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            Quando Nora abriu os olhos, piscando por causa da forte luz que jorrava sobre ela, se deu conta de que estava deitada em uma maca, um gosto azedo de cola a fez perceber que sua boca estava amordaçada. Tentou coçar o nariz de um leve formigamento e se deu conta de que estava amarrada naquele leito.
            -Você não me decepcionou, minha cara Nora!- ela reconheceu a voz profunda, e viu Simon Hill, de jaleco, ao seu lado, fitando-a nos olhos.
            Nora reparou que nunca havia estado naquela ala antes. As paredes manchadas, o teto descascando e uma rachadura num dos cantos.
            Nora tentou falar, pedir clemência, mas só um rosnado saía de sua boca amordaçada.
            -Eu me lembro de você- Começou Simon, colocou as mãos para trás e, andando de um lado para o outro no grande aposento, continuou:
            -As histórias que contam sobre jovens com superpoderes são reais. Muitos já passaram por aqui, a ala 99, mas todos até agora não suportaram. Os cérebros não aguentaram.
            Simon fez uma pausa, coçou o queixo, e um sorriso diabólico brilhou em seu rosto.
            -Quando eu te achei, fiquei tão empolgado, então preparei estes horrores para você, para despertar seus poderes. Eu fiz você achar que poderia fugir. Sou bom em armar joguinhos.
            Simon foi até o final do aposento, onde a visão de Nora não alcançava, em seguida retornou, ela ouviu o barulho de rodinhas rasparem o chão.
            Ele encostou uma mesinha fina e cumprida ao lado de seu leito, ela sentiu os plops em sua testa, gelado e gosmento.
            -Eu quero os seus poderes, minha doce Nora!- Sussurrou Simon ao seu ouvido, fazendo-a sentir seu hálito azedo.  –Não tenha medo e aguente firme.
            Nora ouviu um zumbido de serra, e sentiu uma ponta de aço fino e gelado passar depressa por sua testa. Um arrepio quente e ao mesmo tempo gelado percorreu seu peito.
            -Deixe-me retirar o seu tampo.
            Nora sentiu o topo de sua cabeça ser retirado, viscoso como dividir um sanduíche de queijo.
            O corpo de Nora ficou rígido, uma sensação angustiante de desmaio e enjoo invadiu seu sistema nervoso.
            Lágrimas geladas rolavam por sua face, a visão ficava turva, ela podia sentir dedos tocarem seu cérebro. Apertando-o, tentando removê-lo...
            A dor começava como uma fincada na cabeça, então ia descendo por sua coluna, perfurando os pulmões, dilacerando suas vértebras e alfinetando seu coração.
            De repente, as lágrimas secaram, o corpo de Nora entrou em um estado alarmante de convulsão, seus nervos ficaram à flor da pele quando seu corpo começou a se debater violentamente.
            Simon massageava o cérebro da jovem, olhando no monitor as ondas cerebrais aumentarem a cada segundo.
            Dos olhos secos de Nora, chamas brotaram em labaredas, um poder repulsivo mais antigo que o mundo irrompeu nela, arrancando as amarras, derrubando Simon, o cérebro dentro de sua alcova aberta pulsava como miojo fervendo em uma panela.
            Ela flutuou no quarto, os poros rígidos como se ela tivesse sido eletrocutada.  Com um grito arrancou a mordaça, seus dentes rangiam.
            Simon gritou, e enfermeiros entraram correndo no quarto, deparando-se com aquela cena horrenda:
            Uma garota flutuando, o cérebro quase saltando de sua cabeça aberta, dos olhos, labaredas saíam e lambiam o teto.
            Com um sorriso de escárnio, Nora ergueu a mão e fez um gesto, como se traçasse um símbolo no ar.
            Como consequência do ato, os enfermeiros, entre 4 e 6, sentiram o ar escapar dos pulmões, como se um chupão sugasse a vitalidade de cada um deles, fazendo-os secarem, murcharem como folhas mortas, folhas podres que despedaçavam, chumaços de carne caíam aos montes no chão.
            Simon ficou perplexo, espavorido, seu corpo tremia, o assombro o paralisava.
            Por fim as chamas apagaram, deixando órbitas vazias cheia de escuridão.
            Cabisbaixa, Nora, parecia mortificada, mesmo de pé a vida não mais habitava aquele corpo.
            Simon deu um passo vacilante, olhando apreensivo aquela figura pálida.
            -Eu...- um sussurro escapou dos lábios de Nora, Simon paralisou, boquiaberto, olhando com horror um sangue negro serpentear pelo cérebro dela, escorrendo e misturando ao seu cabelo.
            -Eu vivo - Nora falou, uma voz cavernosa soprava por seus lábios, exalando um odor putrefato no ar. Finalmente o ódio chegou a um nível elevado de densidade.
            -Nora?- indagou Simon.
            -Nora não mais habita esse corpo- sussurrou ela, ainda cabisbaixa. –Eu sou todas as crenças! Eu sou o silêncio e a eternidade. Eu sou mais que sua mente pode compreender.
            -EU- Nora levantou a cabeça, Simon viu o inferno em seus olhos, que brilhavam, vermelho-sangue. –Sou uma vibração que se fundiu a esse corpo, e com seu magnetismo animal, eu sou o mal manifestado nesta realidade tridimensional.
            Nora deu um passo para Simon, que hesitou, tropeçando na maca.
            -Eu vou comê-lo!- murmurou Nora, as veias estourando em seus braços, uma força descomunal deixava seu corpo contraído, uma veia na testa inchou tanto que parecia um verme gorducho.
            Quando Nora ergueu o braço, Simon tirou um aparelhinho do bolso e apertou um botão vermelho, fazendo uma cara de dor.
            Nora olhou gás espalhar no quarto vindo de tubos nos cantos da parede, seguido de chamas que escaparam de outros tubos próximos aos monitores.
            Chamas infernais envolveram Simon e Nora numa grande explosão.
            Chamas ardentes lamberam o céu daquela noite.
            Um urro selvagem ecoou nas colinas seguido de lamento inumano que proferiu palavras amargas e cheias de ódio:
           
Eu esperei tanto por este momento...
            E agora tudo está arruinado...
            Mas eu vou continuar esperando nas trevas...
            O ego humano é a conexão para me invocar, e quando o ódio se tornar cego, eu me manifestarei novamente na carne.
             
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