Escrito por ALLAN FEAR
Verão
de 1958
O
vento soprava estalando os galhos secos das árvores, o vestido da pequena Nora
de 6 anos agitava. Seu cabelo castanho se lançava ao vento, ela terminava os
ajustes finais do castelo de areia úmida com as mãos e uma pá de plástico
cor-de-rosa.
Passava pouco das três da tarde.
Nuvens cinzentas flutuavam baixas no céu. Finas gotas de água alfinetavam a
pele da menina.
Mas ela não ligava, ela queria
construir o castelo. Ela sonhara tanto com isso. Poder ter um castelo para sua
princesa.
A mãe de Nora estava há alguns
metros, sentada em um banco de madeira do parquinho ecológico de Santa Mira.
Ela conversava com uma amiga de longa data.
Nora mordia o lábio inferior
enquanto dava os últimos acabamentos em sua obra de arte. Seu vestido vermelho
de bolinhas amarelas parecia querer seguir o vento.
O parquinho ecológico estava quase
deserto, poucas crianças se divertiam nos escorregadores e balanços.
-Terminei!!- comemorou Nora. Um
sorriso de triunfo brilhou em seus lábios. Ela pegou sua bolsa e tirou a boneca
da princesa que ganhara no natal passado.
-Veja o seu castelo encan...- ela
não terminou a frase. Como poderia?
Sua boca se escancarou em um O de surpresa e horror ao ver um pé calçado um
tênis em cima de seu castelo.
“Arruinado!
” ela pensou amargamente. Levantou seus olhos furiosos para encarar Ugo, um
menino gorducho com cabelo avermelhado que está sempre caindo em seus olhos e
um rosto sardento. O garoto lhe exibia um sorriso de deboche.
Outras
duas garotas estavam perto de Ugo, ambas magras e sorridentes.
Nora
os conhecia, eram da mesma escola. E eles estavam sempre apoiando Ugo em suas
maldades.
-Construa
outro castelo boboca. - Ugo disse gargalhando –Esse teve que ser demolido
devido a erros inaceitáveis na estrutura.
Lágrimas
escorreram queimando a face de Nora.
Não
satisfeito com isso Ugo arrancou a boneca das mãos dela e a arremessou dentro
da lagoa que ficava há alguns metros.
Nora
soluçou. Sentiu suas veias pulsarem.
Cerrou os punhos com muita força. Começou a tremer. Uma espécie de névoa roxa
parecia exalar de suas narinas. Um odor putrefato a envolveu. O ódio deixou sua
visão escura.
Os
garotos não passavam de sombras. Tudo era surreal agora. Um zumbido de algo
quente, talvez larva, borbulhava em seus ouvidos.
Nora
fechou os olhos. Cerrou os dentes, que rangiam uns nos outros. Ela começou a
fazer força. Todo seu corpo tremia numa convulsão frenética. Ugo ria como um
animal ensandecido.
Nora
soltou um longo rosnado. Um cheiro de
carniça poluiu o ar. Ugo ia reclamar, mas ele engasgou. Colocou as mãos na garganta rechonchuda com
pelo menos três papadas, seu rosto começou a tremer, sua pele ficou roxo-cintilante,
a cara gorda inchou mais. Seus olhos giravam descompassados nas órbitas.
Ugo
começou a babar. O liquido espesso e espumante desceu por seu queixo enquanto
suas amigas o fitavam horrorizadas.
Nora
continuava petrificada, concentrada naquele transe alucinado.
Ugo
estava sufocando, cambaleando como um morto-vivo, as amigas se afastaram, o
gordo estava inchando mais e mais, a pele toda se escurecendo.
Então
para o espanto das amigas, Ugo cambaleou alguns passos, balançando como um
João-Bobo, e caiu pesadamente próximo a uma árvore, sua cabeça fez o mesmo som
grotesco de um ovo se quebrando quando bateu pesadamente em uma pedra.
Verão de 1963
-Muito
obrigado Nora.- Diego sorriu entregando uma caixa de bombom para Nora. -Se não
fosse por você eu estaria perdido.
-Nossa! São os meus favoritos. –A
garota pegou a caixa de papelão com um braço e deixou os cadernos e livros no
outro. –Sempre que precisar de ajuda em matemática é só me avisar.- ela exibiu
um sorriso metálico.
-Hei! Nora gritou quando a caixa de
bombom foi arrancada de sua mão. Ela olhou assustada e viu o ladrão.
-O que você pensa que está fazendo?- gritou
Estela, a patricinha mais popular do colégio. –Diego é meu namorado, não vou
deixar que se insinue para ele assim.
Estela jogou a caixa no chão e a
pisoteou. Diego corou. Não sabia para onde olhar. Ela se voltou para Nora e a
empurrou, seus cadernos e livros caíram quando bateu suas costas duramente nos
armários que ladeavam o corredor.
-Quem você pensa que é para dar em
cima do meu namorado?- gritou Estela apontando o dedo na cara de Nora, que
franzia a testa tentando explicar a situação.
Uma rodinha de jovens se formou no
corredor, todos olhavam a cena e começaram a entoar um canto:
-Briga!!
Briga!! Briga!!
Estela começou a desferir uma, duas,
três bofetadas no rosto de Nora, puxou seus cabelos e começou a bater sua
cabeça contra um dos armários.
-Pare!!- Nora chorava tentando se
proteger. Um filete de sangue
vermelho-brilhante escorreu por sua testa.
E então os olhos de Nora mudaram.
Eles ganharam um tom sombrio, o verde se apagou e se tornou cinza, e logo
preto. Ela engasgou quando uma fumaça roxa escapou de sua boca. Um gosto azedo
deu um nó em seu estômago.
Ao sentir o odor de podridão Estela
parou os tapas, cambaleou grogue para trás, a pele de pêssego ganhando um tom
esverdeado.
-OHHH!!!- um coro sinistro ecoou
pelo corredor quando os olhos de Estela começaram a pulsar. Ficando cada vez mais inchados, até o ponto
de saltarem das órbitas como azeitona na boca de um banguela.
Os dois globos oculares caíram no
chão com um nojento “Plop!” e se
deformaram como se estivessem fervendo.
Lágrimas de sangue, em dois filetes,
começaram a escorrer das órbitas vazias de Estela. Manchando suas roupas, criando uma enorme
poça no chão.
Noite
de inverno de 1971
Enquanto
a chuva caía em abundância lá fora, Nora sentia a temperatura aumentar. Ela
estava com seu namorado, Breno, no quarto dele. Eles não usavam mais que suas
roupas de baixo.
-Finalmente- murmurou Breno, os
olhos faiscando. - ele pegou pela alça da calcinha de Nora quando ela o
conteve.
-Não...- sussurrou ela. A voz embargada.
–Espere, eu...
-Você o quê? - rosnou Breno abrando
os braços, ficando de joelhos na cama ao lado dela.
Nora olhou para aquele corpo
musculoso. Ela sonhara que ele fosse seu namorado, mas por que ele queria
apressar tanto as coisas? Por que tinha que querer sexo assim tão depressa?
-Te amo.- disse ela docemente pegando no rosto de Breno, mas ele se
afastou, seu olhar estava endurecido. –Acho que não estou preparada para isso
agora. Você pode entender, não é?
Ele mudou sua expressão, transformando
seu rosto bonito em uma carranca de ódio e fúria.
Ela sequer viu sua mão se movendo
quando a estapeou. Ela gritou de dor e sentiu seus cabelos sendo puxados.
-Já sei do que você gosta sua vadia!-
ele sorriu maldosamente a puxou e a deitou na cama, ela ouviu o som de sua
calcinha sendo rasgada, ele abriu suas pernas
e sua visão ficou turva.
Ela sentiu o odor de carne podre,
sentiu também aquela estranha fumaça emanar de seus poros. Os olhos se apertaram e tudo virou um borrão
cinza e preto à sua volta.
Os gritos explodiram no quarto. Nora podia ouvir Breno gritando. De novo e de
novo. Com toda a potência de sua voz, que começava a fraquejar.
Os cortes começaram a surgir em sua
pele. Seu corpo malhado e bronzeado era rasgado como manteiga. Ele não via
nada, ninguém o atacando, mas mesmo assim sua pele era rasgada, trucidada,
fazendo seu sangue vermelho-púrpura jorrar em jatos.
Um rasgão no rosto fez sua bochecha
cair como geleia em cima da cama. Outro corte e seu peitoral caiu sobre sua
barriga.
Breno desabou pesadamente sobre o
lençol antes branco, agora muito vermelho embebido de sangue, e começou a
agonizar...
Gritando...
Uivando...
Gemendo...
Até o silêncio da morte o calar.
Nora
ainda estava tremendo, toda encolhida num canto da cama abraçando os joelhos
contra o peito, quando os pais de Breno chegaram e se depararam com aquele
horror!
Pobre Nora! No início ela foi presa,
mas logo a internaram no hospital psiquiátrico de Simon Hill, que ficava nas
extremidades de Santa Mira, no alto de uma grande colina.
-Não se preocupe. - sussurrou o Dr.
Simon Hill quando Nora foi levada para ser internada. Seus olhos a estudavam como se ela fosse uma
aberração. –Eu cuidarei muito bem de você!
1ª
Noite na Colina do Horror
Nora
abraçava os próprios joelhos encolhida no conto da cama de sua cela. Tudo tão
branco, envolto em sombras, mas mesmo assim o branco predominava.
Talvez fosse meia-noite, talvez
mais, talvez menos. Mas ao cair da noite os internos eram trancafiados em suas
celas.
Nora ouvia, além de sua respiração
ofegante, o som de horror que ecoava pelos corredores do hospital de loucos.
-Ahhhhh!!!- berrava um detendo numa
voz grave e cavernosa. –Eu quero meus amendoins. Devolva meus amendoins.
-Saiiiiiiiiiiiiiiii- Uivava outro
numa voz velha e esganiçada. –Não seu abutre, a sonda anal de novo não.
Nãooooooooooooooooo!!!
-Ahhhh- explodia um grito de mulher,
tão agudo quanto o som de giz no quadro negro.
Depois ela soltava uma risada debochada –Ré, rê, rê, Rá, rá, rá...
Ela ouviu uma pancada na porta.
Levantou o olhar, silêncio. Andou na ponta dos pés até a pequena porta, se
esgueirou e tentou ver o corredor. Estava vazio. Uma pálida luz amarela jorrava
sobre o chão.
-Meus amendoins. - o grito quebrou o
silêncio, fazendo Nora sentir seu peito doer com as batidas fortes do seu
coração. Ela voltou para seu canto.
Ela balançava a cabeça, apertava os
ouvidos com as mãos, tentando ignorar aqueles sons desagradáveis. Levantou-se novamente
e foi até o filtro num canto do quarto.
Nora pegou um copo descartável e
abriu a torneirinha, ouviu a água escorrer, fechou e o levou a boca.
No primeiro gole de água sentiu
aquela coisa grossa e pegajosa que passou queimando sua garganta. Cuspiu e
levou o copo na altura dos olhos. Na penumbra pôde ver os inúmeros vermes,
gorduchos e castanhos que nadavam dentro do recipiente. E soube com horror que um deles estava indo
pro seu estômago.
2ª
Noite na Colina do Horror
O
dia de Nora foi menos horrível. Sozinha em sua cela, ela ainda guardava as
lembranças.
Nora lembrava do copinho com água e
os dois comprimidos que a enfermeira lhe serviu de manhã. Depois tomou aquele
café morno com pão mole. E ela viu os loucos perambulando por uma das alas onde
ficava uma TV, cuja programação era desenhas animados.
Agora Nora estava ali, trancafiada
novamente, para mais uma noite naquele lugar horroroso.
Sentada na cama, ela se entretinha
com os pensamentos que se amontoavam sobre sua cabeça.
O silêncio sepulcral da noite era
quebrado vez ou outra por ruídos e gritos que explodiam das celas.
Nora tinha os braços cruzados sobre
o peito, as mãos submersas em suas axilas. Em sua face uma carranca estava
congelada. Profundas olheiras estavam embaixo de seus olhos avermelhados.
Pobre Nora. Sozinha, no silêncio, na
penumbra depressiva, ela sentia a angustia.
Tanto horror em sua vida. As visões
de terrores passados ainda a assombravam. Ela podia se lembrar das cenas
desagradáveis que ela causou. Do ódio que a corroía por dentro.
O mal, o poder demoníaco que ela
tinha. O poder que a transformou em uma assassina demente.
Mas Nora não sentia o
arrependimento. Era uma sensação pior. Ela era um monstro.
Nora só queria uma vida, uma chance
de ter um namorado, de ir ao shopping...
Nora só desejava o que as pessoas
fazem normalmente. Mas ela sabia que nunca seria normal.
Ela sentiu lágrimas rolarem,
queimando sua face pálida. Tanta dor, tanto medo, e agora ali estava ela,
trancafiada em uma cela em um hospital para doentes mentais.
Tão triste. Ela poderia estar
chorando porque o namorado estava dando em cima de outra garota, ou porque
estava chateada com sua chefe que queria demais dela, ou poderia estar
preocupada porque a conta chegou e ela ainda não tinha dinheiro para pagar.
Mas não. Ela chorava porque era uma
ameaça para a humanidade. Porque estava muito ferrada. Ninguém poderia
ajudá-la. Estava por si só.
Um Clique ruidoso a fez dar um pulo.
Ela olhou e viu a porta da cela abrir
lentamente.
Nora esperou a enfermeira entrar,
mas isso não aconteceu. Ela ficou de pé e andou até a porta, espreitou para o
corredor escuro e silencioso.
Quando ela saiu, sentindo seus pés
descalços sobre o frio piso de cerâmica, ela viu, ao longo do corredor cumprido,
uma garotinha, que usava um pálido vestido branco amarrotado, seu cabelo muito
preto ia até o meio das costas.
Nora andou a passos rápidos para
alcançá-la, de alguma forma ela tinha aberto a porta. Era sua chance de fugir.
A garotinha, de costas par Nora,
correu e virou à direita no próximo corredor. Nora correu em seguida, mas
quando chegou na esquina, a criança tinha sumido. Um longo corredor, ladeados
por portas se estendia até as trevas ocultarem tudo. Apenas algumas pálidas
luzes jorravam do teto.
Nora começou a andar pelo corredor,
o piso ficando mais gelado a cada passada. Mais à frente uma lâmpada piscava no
teto, fazendo as sombras dançarem.
O Silêncio era total. Ela percebia
alguns murmúrios vindo das celas. Em
outra cela um dos internos segurava as pequenas barras de ferro das grades na
porta, seus olhos faiscaram quando a pobre garota passou.
Quando Nora saiu em outro corredor,
ela olhou para o caminho da direita e viu uma figura caminhando pesadamente em
sua direção. Ruídos de corrente sendo arrastados chamam sua atenção.
Quando o estranho começa a se
aproximar, ela sente o medo, aquela sensação de horror mudo, invadir seu corpo.
Nora vê um homem grande, gordo, com
a cabeça redonda, sem cabelo, e o rosto distorcido em uma carranca de ódio,
segurando uma grossa corrente, vindo para ela.
-Oh!- exclamou Nora aturdida. Ela
começou a correr para o caminho da esquerda, fazendo uma curva. Mas logo ela se
apoia em uma parede para tomar fôlego e tenta escutar.
O que estaria acontecendo? Havia um
lunático no hospital soltando os insanos de suas celas?
-Meus amendoins...- um grito
explodiu na cela ao lado, o maluco com as mãos pesadas nas grades da porta, a
fazia balançar violentamente. –Eu quero meus amendoins!! Foi você sua maldita!
Você roubou meus amendoins. Devolva-os para mim.
O homem barbudo, quase banguela,
gritava ensandecido, uma baba grossa e espumosa descia de sua boca.
Assustada Nora saiu dali. Aquela
berraria logo atrairia o sociopata com as correntes.
Ela ia apressada quando mãos a
puxaram para uma sala na penumbra.
-Shhhh!!!- fez uma velha colocando o
dedo indicador nos lábios. Nora podia sentir um insuportável odor de urina
azeda vindo da velha, cujo cabelo branco era crespo e estava solto. Seus grandes
olhos eram iguais aos de sapos. Fitavam
Nora de forma esbugalhada. O menor esforço e eles pulavam para fora das
órbitas. A velha bateu a porta, e o clique
da tranca ecoou no silêncio.
Um estrondo como de um trovão explodiu
na cela devorando o silêncio.
Nora gritou e olhou assustada, era o
grande homem das correntes que entrou pela porta que acabou de arrombar.
O homicida exibiu um sorriso
diabólico e fitou Nora, dando passos lentos em sua direção.
-Mate ela! - Gritou a velha
agarrando Nora por trás, os dedos ossudos apertando seus braços. –Vamos
trucidá-la e pendurar os ossos em nossas celas.
-Sim!- vociferou o homem num tom
cavernoso, os olhos devorando Nora. Ele tateou e acendeu a luz, que jorrou no
aposento, mostrando que a feiura do homem era abominável.
O infeliz tinha a cabeça em formato
de melancia, era 2 vezes maior do que deveria ser. Seu olho direito estava
inchado, enquanto o esquerdo, inflamado e cheio de pus, estava quase fechado,
uma cicatriz, semelhante a um órgão sexual feminino, se espalhava em sua
bochecha gorda, o queixo partido ao meio como uma bunda tinha inúmeras papadas.
Da bocarra aberta, o fedor de mil privadas poluía o ar. Nora sentia a carniça
miserável.
-Eu vou comer você viva! - Nora
ouviu o homem falar, e sentiu sua língua, como um grande e nojento verme gordo,
passar por seu rosto, o cheiro fedia a carniça.
Os olhos de Nora fitavam-no com
horror. Ela sentia a baba pegajosa em sua pele, cara a cara com aquele
lixo-humano.
E então o beijo. Sim, aquela
criatura desgraçada a estava beijando, enfiando sua língua podre em sua boca.
Nora não viu mais nada, porque a
escuridão a envolveu.
Começou com o grito animalesco que
escapou pela garganta de Nora, a fumaça roxa exalava de seus poros, a
putrefação a envolvia.
O homem parou o beijo com um grito
muito alto e cambaleou para trás, vendo sua língua ficar presa entre os dentes
de Nora, o sangue enchia sua boca.
E então para seu horror, sua pele morena
começou e se inflamar, milhões de bolhas começam como catapora, até evoluírem,
muito rapidamente, para monstruosos furúnculos que se inflamam até o tamanho de
laranjas. Ele grita cambaleando, as correntes balançando em suas mãos. Um dos
caroços inflamou e empurrou seu olho direito para fora das órbitas, o globo
ocular caiu no chão e foi pisoteado pelo próprio homem, que cegado pela dor
chegava ao seu limite.
As bolhas começaram a estourar,
dúzias de estouros de uma só vez, fazendo aquele liquido verde, amarelo e
branco voar para todos os lados. Um dos
caroços inflamou em sua testa, e começou a inchar até o tamanho de uma bola de
futebol com veias salientes, até a explosão final, que fez seu cérebro espalhar
por toda a cela.
A velha cambaleava incrédula,
chocada, então Nora se voltou para ela, com seus olhos negros, tomados pela
escuridão, ergueu sua mão esquerda, e como se dando um comando silencioso, fez
a idosa ser levantada em pleno ar, para em seguida, seus ossos começarem a se
contorcer, até a estalarem, quebrando suas juntas, uma a uma, os músculos
estourando produziam o mesmo som de quando se pisa em uma barata com força.
A anciã berrava, os ossos perfurando
sua pele a medida em que iam se partindo, o quadril girou em um ângulo
impossível, o que fez seu pulmão pular para fora da barriga estripada, em
seguida o pescoço deu 360º, sufocando-a com o silêncio da morte. Seus restos
mortais se espatifaram no chão em um amontoado de carne, ossos e um lago de
sangue.
Nora caiu de joelhos. Ela tremia,
sorria e chorava, as lágrimas rolando. O olhar enlouquecido no rosto pálido.
Sacudindo a cabeça, como que para se
livrar daquelas imagens horrorosas que serpenteavam em sua mente, Nora se
ergueu, as pernas trêmulas, e num impulso que pareceu consumir suas últimas forças,
ela saiu pelo corredor.
Nora engoliu amargamente um grito de
frustração quando deu de cara com um bando de três ou quatro enfermeiras, que habilmente a envolveram em uma camisa de força.
Na luta para escapar Nora sentiu a
picadinha no braço esquerdo, em seguida sua visão começou a embaçar, e tudo
ficou negro como a noite!
***
Quando Nora abriu os olhos, piscando
por causa da forte luz que jorrava sobre ela, se deu conta de que estava
deitada em uma maca, um gosto azedo de cola a fez perceber que sua boca estava
amordaçada. Tentou coçar o nariz de um leve formigamento e se deu conta de que
estava amarrada naquele leito.
-Você não me decepcionou, minha cara
Nora!- ela reconheceu a voz profunda, e viu Simon Hill, de jaleco, ao seu lado,
fitando-a nos olhos.
Nora reparou que nunca havia estado
naquela ala antes. As paredes manchadas, o teto descascando e uma rachadura num
dos cantos.
Nora tentou falar, pedir clemência,
mas só um rosnado saía de sua boca amordaçada.
-Eu me lembro de você- Começou Simon,
colocou as mãos para trás e, andando de um lado para o outro no grande
aposento, continuou:
-As histórias que contam sobre
jovens com superpoderes são reais. Muitos já passaram por aqui, a ala 99, mas
todos até agora não suportaram. Os cérebros não aguentaram.
Simon fez uma pausa, coçou o queixo,
e um sorriso diabólico brilhou em seu rosto.
-Quando eu te achei, fiquei tão
empolgado, então preparei estes horrores para você, para despertar seus
poderes. Eu fiz você achar que poderia fugir. Sou bom em armar joguinhos.
Simon foi até o final do aposento,
onde a visão de Nora não alcançava, em seguida retornou, ela ouviu o barulho de
rodinhas rasparem o chão.
Ele encostou uma mesinha fina e cumprida
ao lado de seu leito, ela sentiu os plops
em sua testa, gelado e gosmento.
-Eu quero os seus poderes, minha
doce Nora!- Sussurrou Simon ao seu ouvido, fazendo-a sentir seu hálito
azedo. –Não tenha medo e aguente firme.
Nora ouviu um zumbido de serra, e sentiu
uma ponta de aço fino e gelado passar depressa por sua testa. Um arrepio quente
e ao mesmo tempo gelado percorreu seu peito.
-Deixe-me retirar o seu tampo.
Nora sentiu o topo de sua cabeça ser
retirado, viscoso como dividir um sanduíche de queijo.
O corpo de Nora ficou rígido, uma
sensação angustiante de desmaio e enjoo invadiu seu sistema nervoso.
Lágrimas geladas rolavam por sua
face, a visão ficava turva, ela podia sentir dedos tocarem seu cérebro.
Apertando-o, tentando removê-lo...
A dor começava como uma fincada na
cabeça, então ia descendo por sua coluna, perfurando os pulmões, dilacerando
suas vértebras e alfinetando seu coração.
De repente, as lágrimas secaram, o
corpo de Nora entrou em um estado alarmante de convulsão, seus nervos ficaram à
flor da pele quando seu corpo começou a se debater violentamente.
Simon massageava o cérebro da jovem,
olhando no monitor as ondas cerebrais aumentarem a cada segundo.
Dos olhos secos de Nora, chamas
brotaram em labaredas, um poder repulsivo mais antigo que o mundo irrompeu
nela, arrancando as amarras, derrubando Simon, o cérebro dentro de sua alcova
aberta pulsava como miojo fervendo em uma panela.
Ela flutuou no quarto, os poros
rígidos como se ela tivesse sido eletrocutada.
Com um grito arrancou a mordaça, seus dentes rangiam.
Simon gritou, e enfermeiros entraram
correndo no quarto, deparando-se com aquela cena horrenda:
Uma garota flutuando, o cérebro
quase saltando de sua cabeça aberta, dos olhos, labaredas saíam e lambiam o
teto.
Com um sorriso de escárnio, Nora
ergueu a mão e fez um gesto, como se traçasse um símbolo no ar.
Como consequência do ato, os
enfermeiros, entre 4 e 6, sentiram o ar escapar dos pulmões, como se um chupão
sugasse a vitalidade de cada um deles, fazendo-os secarem, murcharem como
folhas mortas, folhas podres que despedaçavam, chumaços de carne caíam aos
montes no chão.
Simon ficou perplexo, espavorido,
seu corpo tremia, o assombro o paralisava.
Por fim as chamas apagaram, deixando
órbitas vazias cheia de escuridão.
Cabisbaixa, Nora, parecia
mortificada, mesmo de pé a vida não mais habitava aquele corpo.
Simon deu um passo vacilante,
olhando apreensivo aquela figura pálida.
-Eu...- um sussurro escapou dos
lábios de Nora, Simon paralisou, boquiaberto, olhando com horror um sangue
negro serpentear pelo cérebro dela, escorrendo e misturando ao seu cabelo.
-Eu vivo - Nora falou, uma voz
cavernosa soprava por seus lábios, exalando um odor putrefato no ar. Finalmente
o ódio chegou a um nível elevado de densidade.
-Nora?- indagou Simon.
-Nora não mais habita esse corpo-
sussurrou ela, ainda cabisbaixa. –Eu sou todas as crenças! Eu sou o silêncio e
a eternidade. Eu sou mais que sua mente pode compreender.
-EU- Nora levantou a cabeça, Simon
viu o inferno em seus olhos, que brilhavam, vermelho-sangue. –Sou uma vibração
que se fundiu a esse corpo, e com seu magnetismo animal, eu sou o mal
manifestado nesta realidade tridimensional.
Nora deu um passo para Simon, que
hesitou, tropeçando na maca.
-Eu vou comê-lo!- murmurou Nora, as
veias estourando em seus braços, uma força descomunal deixava seu corpo
contraído, uma veia na testa inchou tanto que parecia um verme gorducho.
Quando Nora ergueu o braço, Simon
tirou um aparelhinho do bolso e apertou um botão vermelho, fazendo uma cara de
dor.
Nora olhou gás espalhar no quarto
vindo de tubos nos cantos da parede, seguido de chamas que escaparam de outros
tubos próximos aos monitores.
Chamas infernais envolveram Simon e
Nora numa grande explosão.
Chamas ardentes lamberam o céu
daquela noite.
Um urro selvagem ecoou nas colinas
seguido de lamento inumano que proferiu palavras amargas e cheias de ódio:
Eu
esperei tanto por este momento...
E agora tudo está arruinado...
Mas eu vou continuar esperando nas
trevas...
O ego humano é a conexão para me
invocar, e quando o ódio se tornar cego, eu me manifestarei novamente na carne.
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