Escrito
por ALLAN FEAR
CAPÍTULO
1
Meu nome é Renan Deyllon, tenho 23 anos e relatarei aqui
os acontecimentos bizarros que se sucederam em minha vida e que me fizeram
vender minha alma para o diabo.
Eu não sou um ocultista, o mais próximo do sobrenatural
que havia chegado até então foi quando brinquei, na adolescência, com tábua
Ouija e senti uma leve pressão empurrando minha mão, mas que não deu em nada.
Mas naquele verão há um ano, em uma noite em que me reuni
com mais dois amigos e estávamos brincando de desafiar um ao outro, caímos na
besteira de tentar fazer a invocação de um demônio.
Buscamos no Google até encontrarmos um PDF sobre um Grimório
antigo com instruções para as práticas invocatórias. A coisa toda era complexa
demais, mas buscamos seguir as orientações de um blog que tornava tudo mais
prático.
Haviam vários espíritos primitivos no manuscrito e suas
descrições. Optamos por um que era tido como um poderoso rei e que, segundo sua
descrição, poderia nos conceder grandes fortunas, status e honrarias. Mas claro
que eu não acreditava em nada daquilo, senão bastaria um ritual meia boca para
tornar qualquer um milionário.
Fomos os três para o sótão de minha casa e usamos algumas
varetas de incenso, um papel para desenhar um triângulo e um sigilo. Segundo o
manuscrito, seria através daquele símbolo que a entidade viria. Falei algumas
palavras estranhas, acho que misturava Latim, e esperamos o demônio aparecer...
Mas é claro que nada aconteceu, a não ser que você
considere o fato de eu ter sentido um arrepio na nuca. Fora isso ficamos em
silêncio, esperando e esperando, até que começamos a rir daquela situação.
Fui me deitar à meia-noite, meus amigos haviam ido
embora, uma chuva pesada começou assim que eles saíram. Lembro que eu dormia
tranquilamente quando senti algo puxar meu pé esquerdo.
CAPÍTULO
2
Um grito escapou de minha garganta, mas foi facilmente
abafado pelos trovões que retumbavam do lado de fora da casa.
Levantei de supetão, contemplando o aposento vazio,
envolto naquela penumbra fantasmal que, vez ou outra, era iluminada pela luz
fantasmagórica dos raios que entravam por uma fresta na cortina.
Pensei que fosse Lili, minha gata preta que, por medo da
tempestade, houvesse vindo procurar abrigo em minha cama.
Levantei, chamando o nome da gatinha. Cliquei no
interruptor de luz e lamentei quando as trevas continuaram inundando meu
quarto, a energia havia acabado.
Andei na penumbra até abrir mais a cortina e deixar
aquela luz azulada dos raios iluminarem o ambiente e eu poder achar a lanterna
que guardava em uma das gavetas do criado mudo.
Em posse da lanterna, jorrei aquele círculo de luz
amarelada no aposento e procurei pelo felino, mas não o encontrei. Foi quando
ia fechar a porta do quarto, que estava entreaberta, que ouvi o barulho de
vidros serem quebrados na sala.
Assustado, sem saber se era a gata que estava pirando com
o som dos trovões e tentando destruir a casa ou se era algum invasor, caminhei
sorrateiro pelo corredor. Passei pela porta fechada do quarto de meus pais e
pela porta entreaberta do aposento de minha irmã caçula, que ficavam uma de
frente para a outra.
Meu coração batia acelerado, esmurrando meu peito. Entrei
na sala e vi que vários porta-retratos, que antes estavam dependurados na
parede com fotos da família, estavam no chão, com suas molduras quebradas e os
vidros despedaçados.
Jorrei a pálida luz da lanterna na sala escura, pois como
de costume mamãe sempre deixava as persianas bem fechadas, e vi Nicole, minha
irmã. Estava parada próximo da parede onde ainda havia um porta-retratos
pendurado. Seu cabelo loiro e liso estava solto, ela usava seu pijama branco
com desenhos de florzinhas.
Perguntei o que ela estava fazendo, tentando identificar
se ela estava acordada ou tendo um ataque de sonambulismo. Aproximei-me dela de
mansinho e toquei de leve o seu ombro. Ela se virou imediatamente e um grito de
horror escapou de minha boca.
As feições do rosto de minha irmã haviam mudado, seu
aspecto estava diferente, os músculos de sua face estavam demasiadamente
contraídos numa assustadora expressão de ódio. Seus lábios exibiam um doentio e
demente sorriso de escárnio enquanto seus olhos, que pareciam cintilar em uma
cor amarela, fuzilavam os meus. Aquela doce e meiga garota de 15 anos estava
assustadora, parecia... possuída...!
CAPÍTULO
3
-Você me chamou seu moleque! – foram as palavras que
saíram da boca de Nicole, mas não com sua voz fina, e sim em um timbre
cavernoso e hediondo. -Eu vim por você, eu sempre venho quando sou chamado, mas
na hora que eu desejar e como eu achar conveniente.
Eu queria gritar, queria correr, mas o medo, aquela
sensação aterrorizante de medo, me deixou aturdido, mortificado, enquanto
fitava aquele ser inumano à minha frente, aquela coisa que se apossara do corpo
da minha pobre irmãzinha.
-Eu só estava brincando... – balbuciei, meu maxilar
tremia no mesmo ritmo que a lanterna em minha mão, enquanto olhava para aquele
horror, sentindo um arrepio. Não, não era um simples arrepio, era mais do que
isso, era uma aflição tenebrosa, que tomava todo meu corpo. -Vá embora!...
-O que está acontecendo aqui? – ouvi a voz de minha mãe
indagar atrás de mim.
-Uma festa! – zumbou aquela coisa abismal no corpo de
minha irmã, voltando seus olhos amarelos para encarar meus pais. Ergueu a mão
esquerda e ouvi os gritos de meus pais explodirem no aposento.
Tudo à minha volta parecia girar como em um carrossel
alucinado quando vi os corpos de meus pais levitarem e serem pregados na
parede. Eles gritavam assombrados, sem entender o que estava acontecendo. A
força invisível os mantinha longe do chão, enquanto se debatiam.
-Por favor! – eu comecei a implorar, sentindo as lágrimas
rolarem, queimando minha face, enquanto olhava para aquela rosto demoníaco.
Aquela garota não era minha irmãzinha, não mais. -Pare com isso!!
-Eu vim dos mais ocultos lugares de um tempo há muito
esquecido, Renan, para atender ao seu chamado. – falou aquele ser no corpo de
minha irmã e envolveu sua mão fria em minha garganta. -E agora você quer que eu
volte de mãos vazias? Logo eu? Eu sou um grande Rei!
A
criatura começou a rir, uma risada perversa, naquele timbre insano e macabro,
enquanto sua mão apertava minha garganta. Soltei a lanterna, aquele horror
funesto fazia meu coração fraquejar à medida que eu começava a sentir falta de
ar.
CAPÍTULO 4
-Por Favor! Eu te imploro, nos deixe em paz, eu...- minha
voz morreu na garganta.
A entidade me estudou com seus olhos amarelos,
aproximando sua face macabra do meu rosto. Seus olhos amarelos encaravam os
meus como se pudessem enxergar dentro de minha alma. Neste exato instante, eu
senti não apenas aquele medo terrível que me apavorava, eu senti algo mais, uma
aflição angustiante, que parecia não apenas machucar meu corpo, mas envolver
minha alma com sua escuridão infernal.
-Eu proponho um acordo – murmurou a entidade,
soltando-me. Eu caí no chão e toquei de leve meu pescoço ferido enquanto
respirava, ofegante, tentando acalmar as batidas de meu coração. -Fazemos um trato ou o sangue de cada um
nesta sala irá derramar em sacrifício a mim! O que me diz, seu tolo?
CAPÍTULO
5
Eu olhei para meus pais, fracos de tanto gritar e se
debater, presos à parede, fitando-nos com seus olhos assustados. Mamãe chorava,
totalmente em estado de choque. Eu havia causado tudo isso quando fui me meter
com algo que desconhecia, estava pagando o preço de minha arrogância, mas não
poderia permitir que minha família também pagasse por isso.
-Eu aceito! – foram as palavras que consegui balbuciar,
fiquei de pé, lutando para não cair, minhas pernas fraquejavam, aquela sensação
de horror indizível tomava todo meu corpo.
Um sorriso perverso e frio se formou no rosto hediondo
daquele ser infernal enquanto ele me fitava com aqueles olhos amarelos.
-Selemos um pacto de sangue – começou a entidade
infernal. Pegou minha mão esquerda e, com a ponta de sua unha, rasgou a palma
de minha mão, fazendo meu sangue vermelho-brilhante fluir pela ferida. -Sua
alma será minha! Agora repita as palavras que ditarei para que se cumpra este
acordo.
Tão logo repeti as palavras, aquele juramento obscuro,
meus pais foram libertados daquela magia antiga que os prendia à parede e eles
caíram no chão. A coisa maligna deixou o corpo de minha irmã que despertou
assustada, sem lembrar de como viera parar na sala no meio daquele pandemônio.
CAPÍTULO 6
Mas
nada foi como antes depois daquela noite. Eu comecei a ouvir vozes, ver vultos
e aparições. Eu comecei a surtar literalmente. Não importava onde eu estava,
fosse na mesa do jantar com minha família ou em uma sala de aula, aquela
criatura infernal, as vezes com aparência bestial surgia do nada, dizendo que
veio para me arrastar para o inferno, e eu começava a gritar loucamente.
Estou
tentando achar uma forma de me libertar deste demônio, poder anular aquele
maldito pacto, mas agora a coisa complicou pois já faz alguns meses que fui
internado em um hospital psiquiátrico e o acesso à internet aqui é muito
restrito.
Eu sei que meu tempo é curto e a cada dia que passa estou
dando corda no relógio da morte, mas não há nada que eu possa fazer. Eu abri
uma porta para o desconhecido e agora não sei mais como fechá-la!
Mas
o que mais me apavora é que mesmo quando me obrigam a usar uma camisa de força
e me prendem em celas acolchoadas, eu sei que não estou completamente sozinho.
Aquele ser cujo nome não me atrevo a dizer, vem, as vezes como uma criatura,
mas às vezes na forma de um homem, sentado em cima de um dromedário com uma
coroa sobre a cabeça. E eu posso ouvir um som, como a melodia de trombetas
ressoar no aposento anunciando sua chegada.









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