Escrito
por ALLAN FEAR
CAPÍTULO
1
Marisa dirigia seu
carro apressada pelas ruas sombrias daquele início de noite. Odiava o trajeto
do trabalho até sua casa, os 3,6 quilômetros pareciam 30. Ela estava nervosa,
irritada, a mente a mil, precisava ver Jorge, seu marido, o quanto antes.
Parou o Ford-Ka vermelho na garagem de sua casa e subiu
apressada as escadas, tirou um envelope pardo da bolsa e o segurou firmemente
na mão, mas parou quando viu a porta da residência entreaberta e notou que
havia sinais de arrombamento.
-Jorge!?- gritou Marisa desesperada, adentrando a casa,
sem pensar, deixando o envelope e a bolsa caírem sobre o carpete da sala. Então ouviu um gemido bem fraquinho vindo da
cozinha e, chegando lá, se deparou com uma cena de horror que gelou o sangue em
suas veias:
Caído,
sobre o linóleo da cozinha, jazia seu marido Jorge, de costas no chão, com as
mãos ao redor de uma grande faca de cozinha que estava espetada em sua barriga,
fazendo seu sangue vermelho-brilhante fluir pelo corte, formando uma poça sob
seu corpo, tingindo toda sua roupa, short e camiseta.
CAPÍTULO 2
Marisa era enfermeira em uma clínica no centro de São
Paulo, mas teve que tentar manter a calma diante daquela situação e correu para
socorrer o marido, que exalava seus últimos suspiros.
Pobre Marisa, ela soube assim que viu o tanto que a faca
havia rasgado e dilacerado o abdome de Jorge que nada mais poderia ser feito
para salvá-lo. Ele agonizou em seus braços, sussurrando que havia confrontado
um delinquente que invadira a casa.
Marisa chorava com o cadáver do marido no colo, toda
aquela raiva que sentia agora dera lugar a uma tristeza depressiva que lhe
corroía a alma.
-Daniela, eu preciso de você agora! – falou Marisa, após pegar
seu celular e ter discado para sua amiga, sua voz estava rouca, não era mais
que um murmúrio. -Cheguei em casa e encontrei meu marido... ele está morto!
Algum delinquente filho da puta o destrinchou feito um porco. Preciso que venha
para cá e me ajude com ele!!
-E-Estou a caminho...- foi tudo que Marisa ouviu de sua
amiga. Sabia que poderia contar com ela, e aquele era um momento delicado e
difícil.
Daniela chegou meia hora depois e se deparou com aquela
cena macabra, da esposa desolada com o marido estripado no colo sobre uma
grande poça de sangue coagulado.
-Você verificou se o bandido ainda está na casa? –
Indagou Daniela sentindo um súbito arrepio descer por sua espinha.
CAPÍTULO
3
-Acha que ele ficaria aqui depois de ferrar com meu
marido assim? Que se fodas, ele já deve estar longe, como os vizinhos mais
próximos estão bem distantes com certeza não ouviram Jorge gritar antes de
morrer. Mas vamos ao que interessa! -Falou Marisa, saindo daquele transe em que
estava, e deixou o cadáver no chão. -Vamos preparar o leito para Jorge no
quarto de hóspedes.
-Você sabe que isso ainda é instável, não é? – indagou
Daniela erguendo uma maleta branca. -Até então só ressuscitei minha gata e um
canário, e pelo que tenho visto pode haver efeitos colaterais bem
desagradáveis, sabe tipo um...
-E eu tenho outra escolha? – Indagou Marisa porcamente
arrancando a maleta da mão da amiga. -Logo meu marido começará a apodrecer, é
minha única chance. Vamos! Eu tenho que arriscar.
CAPÍTULO
4
Daniela era cientista, trabalhou em grandes centros de
pesquisa e desenvolvimento de saúde nos Estados Unidos, mas fora expulsa depois
que descobriram que ela fazia experimentos clandestinos, altamente bizarros,
com animais. Então ela voltou para o Brasil, seu país de origem, e vivia de
artesanato, sua licença havia sido caçada, mas nada impediu que ela continuasse
realizando testes ocultos em seu laboratório clandestino no porão de sua casa.
Marisa, sua melhor amiga desde a faculdade, passou, desde
que ela retornara ao Brasil, a roubar vacinas, vírus e certos medicamentos para
suas pesquisas, que há pouco mais de seis meses deram resultados e ela pôde
devolver a vida a dois animais que criava em seu laboratório.
O sonho de Daniela era achar a cura para a morte e
finalmente ela poderia testar seu vírus em um cadáver recém falecido, mesmo que
este ainda não estivesse pronto.
Marisa preparou o quarto e arrastaram o cadáver de Jorge
até depositá-lo sobre o leito, a hemorragia já havia sido estancada. Jorge era
um homem alto, de pele clara, começando a ficar calvo e com um a barriga
protuberante.
-Vamos começar o processo de ressurreição- falou Daniela,
um brilho de emoção faiscava em seus olhos azuis por baixo de óculos de grau,
era uma mulher baixinha e sardenta. -Se tudo der certo em uma semana ele
voltará a vida!
Marisa nada falou, apenas um brilho de esperança iluminava
seus olhos cansados e avermelhados. Era uma mulher de estatura média, cabelo
loiro e corpo sarado, de busto grande, o tipo que quando desfilava nas ruas com
uma calça colada todos os homens olhavam.
Jorge foi entubado, tinha a barriga costurada e a pele
limpa de todo aquele sangue, estava ligado a uma série de aparelhos que Marisa
havia trago do hospital, passava pouco da meia-noite quando Daniela aplicou o
vírus sintético que ela havia desenvolvido na veia do defunto.
CAPÍTULO
5
Os
dias se arrastaram, Marisa não deu queixa do assassinato de seu marido e
contratou um serviçal para consertar a porta arrombada e mentiu para os amigos,
dizendo que Jorge havia viajado para casa de um parente muito doente.
Daniela sempre vinha de manhã e à noite para aplicar os
coquetéis de soros e vírus em Jorge, e foi assim, aos poucos, que ele começou a
produzir estímulos nervosos, e ao final do sétimo dia Jorge finalmente abriu os
olhos, ainda muito débil, confuso, e começou a se mexer, esboçando reações.
-Finalmente!!- disse Daniela, estava muito feliz,
radiante, abraçou Marisa e comemoraram aquele feito após examinar o corpo de
Jorge. -Agora é alimentá-lo e dar os cuidados necessários para que aos poucos,
sua personalidade possa sobrepor este estado de zumbi e voltar a ser pelo menos
70% do que era antes.
CAPÍTULO
6
Marisa passou a tratar de seu marido zumbi, mantendo-o
preso a cama por grossas cordas, por precaução, como orientara Daniele, que
saiu do país determinada a reaver seu diploma, afinal, agora ela poderia
ressuscitar os mortos e havia um contato no exterior que lhe daria essa chance
caso tivesse como comprovar suas teses.
Dentro
de quase 30 dias Jorge finalmente compreendia as coisas, sabia quem ele era,
conseguia pegar os alimentos e comer sozinho, andava pela casa, ia ao banheiro,
assistia seus programas favoritos na TV.
-Estou
feliz meu amor- Falou Jorge naquela noite quando tentou fazer amor com Marisa,
pela primeira vez ela viu ele ter uma ereção depois que voltara dos mortos.
-quero fazer amor com você como nos velhos tempos, estou vivo novamente e...
-Antes
disso meu bem, precisamos ter uma conversa!- Marisa se afastou do beijo do
marido, deixando-o sozinho na cama. -Voltarei em um instante.
Marisa
voltou com um envelope pardo nas mãos e o jogou sobre a cama, ordenando que ele
o abrisse.
-Mas
que gracinha meu amor, um presente pra mim? – indagou Jorge, com aquele jeito
malandro e galanteador de sempre.
Marisa
o fuzilava com seus olhos compenetrados e frios. Ela sorriu maldosamente quando
Jorge abriu o envelope e retirou várias fotografias, que fizeram seu rosto
ganhar uma expressão de espanto e terror.
CAPÍTULO 7
-Mas...
mas...- engasgou ele incapaz de articular uma frase, enquanto olhava para fotos
dele, beijando e transando com outra mulher em seu quarto.
-Eu
contratei um detetive particular, que espalhou câmeras em nosso quarto,
enquanto eu trabalhava para te sustentar, para te manter na boa vida, você me
traía com essa piranha, não é? – A voz fria de Marisa era cheia de ódio, seus olhos
faiscavam um brilho de rancor e loucura ensandecida.
-Mas
meu amor, isso foi antes, eu mudei, eu juro! Eu jamais...- começou Jorge,
usando seu charme para amaciar o coração de sua esposa. -você sabe que eu te
amo, e você não pode nem viver sem mim, você me trouxe dos mortos, fez um
milagre! Vem cá, vem meu amorzinho...
-Você
jura que jamais vai me trair novamente? Jura, paixão da minha vida? – indagou
Marisa deixando sua voz ficar dengosa.
-Claro
que juro paixão...- Jorge começou a beijá-la, -agora seja boazinha com o papai
aqui... Afinal meu membro também acabou de ressuscitar dos mortos e está louco
para te comer...
Marisa se deixou envolver, sentindo os beijos molhados de
seu marido em seu corpo, suas mãos, um tanto quanto frias, percorrendo suas
curvas suaves e fendas molhadas.
Jorge não viu o brilho diabólico que faiscava nos olhos
de felina de sua esposa, ele não percebeu que ela retirou uma navalha de sua
cintura e o colocou entre os lábios, para em seguida rasgar a garganta dele.
-AAAARRRGGGHGHH!!- Gritou Jorge ao sentir a garganta ser
rasgada profundamente, levando as mãos para tentar estancar os jatos de sangue
que esguichavam no aposento.
CAPÍTULO
8
-Depois de tudo que eu fiz por você, seu porco imundo,
você me trai em minha própria casa? Achou mesmo que eu deixaria você morrer
pelas mãos de outro? – Marisa gritava, usando a navalha para rasgar a pele de
Jorge, dilacerando seu rosto jovial, deixando seu nariz dependurado. -Eu te
trouxe do inferno para saciar minha vingança, porque você só pode morrer quando
eu disser que pode! E agora você morrerá por minhas mãos, da forma que eu
desejar, seu porco imundo!!
O
corpo de Jorge tombou sobre a cama, novamente encharcado em seu próprio sangue.
Estava definitivamente morto, Marisa fez questão de checar as pulsações.
Sentia-se bem, sua vingança havia sido finalmente saciada.
Marisa
pegou uma toalha no closet e sentou-se em frente do espelho da penteadeira para
limpar o sangue do marido que havia espirrado em seu rosto. Estava feliz,
fazê-lo pagar por aquela traição havia retirado um grande peso de suas costas.
Foi uma grande terapia colocar todas as suas frustrações e raiva para fora em
cada navalhada.
-Hum?!
-Marisa olhou para trás ao ouvir um gemido estranho e ficou mortificada ao ver
seu marido de pé, fitando-a com aqueles olhos mortos e uma palidez cadavérica
que, rapidamente, havia se apossado de toda sua pele.
Marisa
pegou o estilete sobre a penteadeira e tentou atacar seu marido, mas soube que
ali não mais estava um ser humano e sim um zumbi faminto, sem nenhum traço de
humanidade, pronto para devorar sua doce e suculenta carne.
Pobre
Marisa, Daniela havia dito que poderia haver efeitos colaterais naquele
processo de ressurreição, mas ela, cegada por sua sede de vingança, jamais
imaginou que estaria dando o pontapé inicial de um verdadeiro apocalipse zumbi
bem no centro de São Paulo.
0 Comentários