Escrito
por ALLAN FEAR
CAPĂTULO
1
Como nuvens negras que
surgiram sorrateiras e transformaram um belo dia de sol em um sombrio dia de
chuva, lançando suas sombras frias capazes de congelar atÊ mesmo as almas dos
mortais, o amor de Jerry por Karen findou-se num piscar de olhos.
Em um momento estavam juntos, felizes, mas em outro, lĂĄ
estava Jerry, cabisbaixo naquele vale de sombras e lĂĄgrimas.
Ele perdeu tudo, estava na sarjeta, em uma noite fria,
triste e sem luar. A escuridĂŁo o envolvia, ele podia sentir o sabor das trevas,
tão amargo e åspero como inalar uma tóxica fumaça negra.
Ele havia deixado sua amada sozinha, chorando. Mas entĂŁo
percebeu que nĂŁo havia nada sem ela, apenas um vazio que o corroĂa por dentro
como uma ulcera faminta.
Jerry entendia sua situação. Sim, ele estava consciente,
mas nĂŁo podia se livrar da dor de perder sua amada. Aquela doce e meiga garota
que despertou nele um sentimento, estranho no começo, meio doloroso, mas que
por fim se tornara tão doce, como açúcar sobre açúcar.
Ele queria estar lĂĄ com ela agora, para sempre. Trilhando
juntos os caminhos incertos da vida, descobrindo atĂŠ onde aquele sentimento os
conduziriam.
Mas ele teve de partir, e agora sĂł queria retornar para
os braços de sua amada. Aquela doce garota foi quem deu sentido à sua vida, o
fizera descobrir sentimentos e sensaçþes que ele jamais pensou que pudessem
existir.
Ele precisava voltar. Esse passou a ser seu pensamento
dia apĂłs dia, tornando-se uma obsessĂŁo.
Jerry percorreu longas distâncias, encarando lugares
hostis e seguindo pistas falsas, mas então quando deixou que seu coração
despedaçado o guiasse, ele achou o caminho certo. Ele se reencontrou e poderia
enfim se reerguer e sacudir a poeira de suas vestes e caminhar na trilha certa
para os braços de sua amada.
CAPĂTULO
2
Era estranho estar voltando para ela depois de todo esse
tempo, ele colheu umas rosas vermelhas no jardim de uma casa e seguiu para seu
grande amor.
Era noite, muito tarde da noite. Nuvens sombrias encobriam
o cĂŠu e gotas gĂŠlidas caĂam alfinetando seu rosto.
Como era sua aparĂŞncia? Ele estava bem? Mas Jerry sabia
que nĂŁo precisava se preocupar com isso, pois precisava ter sua amada nos
braços o quanto antes.
Ela ainda o amava? NĂŁo teria se casado com outro?
Ah! A mente, sempre tĂŁo medrosa, inquieta, preocupada e
tagarela, mas tudo que importava era reencontrar sua amada.
Jerry chegou a casa de Karen, as luzes estavam apagadas e
ele adentrou sorrateiramente pela janela dos fundos que sabia nĂŁo que tinha
tranca.
Sorrateiro como um ladrĂŁo no meio da noite, Jerry
caminhou lentamente atÊ o quarto de Karen, que dormia profundamente de bruços.
Mesmo na penumbra Jerry sorriu diante da formosura de sua amada. Seus cabelos
negros como a noite, sedosos e brilhantes soltos ao longo de suas costas. Sua
pele de pĂŞssego tĂŁo terna e sensual.
Jerry se aproximou e deitou sobre ela, beijando seu rosto
e chamando-a com um sussurro junto ao ouvido.
Karen despertou, ainda entorpecida pelo sono e ao olhar
para a face de Jerry começou a gritar desesperada e o empurrou para longe,
fazendo-o cair da cama. As lindas feiçþes da mulher estavam distorcidas em uma
carranca de horror.
CAPĂTULO
3
-Sou eu amor! Seu querido Jerry, voltei para vocĂŞ! –
Falou Jerry erguendo as rosas vermelhas para ela. Exibindo um sorriso.
Mas Karen apenas gritava e escondia o rosto com as mĂŁos,
incapaz de olhar para Jerry, que intrigado caminhou atĂŠ o espelho do closet ao
lado da cama e encarou com horror a face apodrecida de um defunto.
Uma lågrima cinza escorreu por sua face em decomposição.
Ele sabia que havia ido para longe, como podia imaginar que estava morto?
-Eu nĂŁo suportava viver sem vocĂŞ minha doce Karen, eu
queria tanto voltar, mas jamais pensei que... – as palavras morreram em sua
boca cadavĂŠrica, os ossos batiam e estalavam a cada palavra sussurrada. -Sinto
muito eu estar assim...
Mas entĂŁo Jerry se surpreendeu com as mĂŁos de Karen
tomando-lhe as rosas e levando-as atĂŠ o nariz.
-Oh! Jerry, entĂŁo vocĂŞ possuiu seu prĂłprio cadĂĄver em
decomposição e deixou o tĂşmulo apenas para voltar para mim? – indagou Karen,
lĂĄgrimas rolavam por sua face.
-Para dizer que te amo! – Sussurrou Jerry, -Te amo mesmo
apĂłs a morte!
Karen o abraçou e pressionou seus låbios nos dele,
envolvendo-o em um beijo intenso, carente e apaixonado.
Karen o puxou para a cama, tentando tirar suas roupas,
beijando-o quase sem fĂ´lego, sentindo aquela paixĂŁo antiga arder queimando seu
corpo com chamas infernais.
-Espere meu amor, - sussurrou Jerry, colocando suas mĂŁos
ossudas no rosto de Karen. -Eu sinto que estou indo, o corpo nĂŁo aguentarĂĄ me
conter por mais tempo...
Os olhos de Karen se encheram de lĂĄgrimas, Jerry pĂ´de ver
dor em seu olhar triste, tĂŁo melancĂłlico e profundo como o leito de um lago
cinzento.
Karen depositou as rosas sobre a cama e retirou algo de
uma gaveta de um criado mudo. Ela se voltou para seu amado e ergueu a mĂŁo com o
objeto e lhe ofereceu, exibindo-o.
-OH! – Balbuciou Jerry fitando a lâmina prateada do
pequeno punhal na palma da mĂŁo de Karen. EntĂŁo ele viu as cicatrizes em seus
pulsos.
-Quando vocĂŞ partiu – começou Karen, lĂĄgrimas começando a
rolar por sua face enquanto ela forçava um sorriso nervoso e aflito brilhar em
seu rosto. -Eu tentei inĂşmeras vezes ceifar minha vida, para te encontrar sabe?
Mas... – suas palavras morreram, um silĂŞncio pesado e sombrio reinou sobre
eles.
-Faça isso por mim! -
A voz de Karen não passou de um sussurro embargado pela emoção, quase
inaudĂvel enquanto ela continuava com as mĂŁos erguidas oferecendo o punhal para
seu amado que exalava o cheiro da morte. -Por amor.
CAPĂTULO
4
Jerry sentiu um arrepio gĂŠlido e frio quando tocou a
lâmina fria do punhal, ele sabia que seu tempo era curto. Aquela essência
sombria que compunha seu espĂrito estava a se desgarrar dos despojos mortais a
cada segundo, como a ĂĄgua fervendo que se evapora da chaleira.
-Faça! – sussurrou Karen, de forma tĂŁo decidida, de um
jeito melancĂłlico, mas tambĂŠm com ternura, com um pouco de sensualidade.
Jerry segurou firme o cabo do punhal, aproximou seu rosto
do de sua amada e enfiou aquela lĂngua decadente em sua boca, em seguida
espetou-lhe a lâmina em seu peito, fazendo-a exalar seu último gemido, num
misto de dor e prazer.
Karen caiu nos braços do amado, os olhos dançando nas
Ăłrbitas enquanto muito sangue vermelho brilhante fluĂa do ferimento em seu
peito, manchando sua camisola.
Jerry sorriu enquanto suas forças se enfraqueciam e seu
cadĂĄver tombava sobre o solo do aposento e sua alma, feita de trevas, dor e
desejos, alçava um voo noturno, levando consigo a doce alma luminosa de sua
amada.
No cĂŠu, flutuando na noite sob o cintilar das estrelas
que surgiam em fendas nas nuvens negras, o casal fantasmagórico se entrelaçava
em beijos e carĂcias.
Karen sentia-se como se estivesse em um sonho fantĂĄstico,
vĂvido, desfrutando dos arrepios, do desejo e de uma certa aflição quando
aquelas trevas sinistras, que na verdade era o que Jerry havia se tornado,
começou a possuĂ-la.
Mas Karen nĂŁo sentia medo, sentia-se livre enquanto se
entregava Ă quele amor doentio capaz de sobreviver atĂŠ mesmo a morte. Um amor
feito de desejos e escuridĂŁo.
0 ComentĂĄrios