Escrito por ALLAN FEAR
CAPÍTULO 1
“CLIK!”- foi
o som que retumbou pavorosamente nos ouvidos de Katarina, fazendo-a estremecer
da cabeça aos pés.
A jovem, na casa
dos 17 anos, olhava ao redor, sentindo-se estranha, febril, meio grogue, com
uma angústia depressiva transbordando de seu peito. Tudo parecia irreal, como
se o cenário estivesse embaçado por uma névoa acinzentada e espessa.
Katarina
deu-se conta de que estava sentada à uma mesa de mármore redonda, na companhia
de três outras pessoas, que não estavam nítidas à sua vista turva. Mas ela
podia identificar dois homens, o da sua direita era gorducho, tinha o cabelo
curto encaracolado e gemia enquanto choramingava, a face rechonchuda era
pálida. Do seu lado esquerdo estava o outro homem, magro, alto e com um grande
pescoço fino, o cabelo preto liso penteado para trás e o olhar fixo na mesa. Os
lábios cerrados tremiam, o medo o assombrava.
Katarina
ergueu a cabeça e viu à sua frente, na outra extremidade da mesa, uma mulher,
que usava um vestido encardido de noiva, era loura, o cabelo amarelo embaraçado
se assemelhava à macarrão instantâneo sobre sua face muito pálida. Ela mordia
seu lábio inferior, esbranquiçado, fazendo um filete de sangue vermelho-púrpura
escorrer pelo queixo abaixo. Seus olhos lacrimejantes e avermelhados fitavam
algo sobre a mesa, algo que lhe atormentava o espírito.
-OH!-
exclamou Katarina ao pousar seu olhar cansado sobre o centro da mesa e visualizar
um revolver de calibre 38, o que a fez ser invadida instantaneamente por um
pavor tenebroso.
CAPÍTULO 2
Tudo
era trevas ao redor daquela mesa, a temperatura era fria como um túmulo e um
odor estranho penetrava as narinas de Katarina. Um cheiro de morte, semelhante
ao que se inspira em necrotérios com notas de formol, mas também de carne em
decomposição.
Katarina
viu com horror a mulher à sua frente pegar a arma com sua pequena e frágil mão
direita, que tremia, hesitante, e a apontou para a própria cabeça. Mais
lágrimas desceram por sua face, mas sua mão, embora insegura, estava
determinada. Puxou o gatilho e fez um som de explosão rugir como um trovão
feroz no aposento sombrio.
Katarina
engasgou de horror ao contemplar o estrago da bala na cabeça da mulher, pouco
acima do ouvido, e a viu tombar sobre a mesa em câmera lenta, enquanto seu
braço desfalecido a acompanhava.
A
cabeça da defunta fez um baque ao atingir a mesa, um ruído grotesco, como uma
caixa de ovos se quebrando, e ficou imóvel. As lágrimas, agora de sangue
vermelho-brilhante, desciam por sua face enquanto seus olhos verde-acinzentados
fitavam Katarina cegamente.
Então
Katarina viu o homem magro ao seu lado esquerdo se apossar da arma, tirando-a
cuidadosamente da mão da defunta e a erguer até a própria cabeça, temeroso,
como se aquela fosse a única e drástica solução. Os músculos de seu rosto
estavam contraídos, os dentes cerrados, e um brilho de pavor faiscava em seus
olhos arregalados.
“CLIK!”-
fez o som quando ele puxou o gatilho e soltou o ar dos pulmões, aliviado, o
suor escorrendo em abundância pela testa larga.
Cuidadosamente
o rapaz depositou o revolver sobre a mesa, bem na frente de Katarina, que
sentiu súbita repulsa ao fitar aquela arma. Queria se levantar dali e correr, fugir
o máximo que conseguisse daquela coisa desprezível. Porém ela estremeceu em
horror quando sentiu sua mão esquerda se erguer do colo onde repousava e se
apossar da arma, cujo metal estava morno. Ela sentia como se uma força
sobrenatural estivesse mantendo-a ali, sentada sobre a cadeira dura,
obrigando-a a jogar Roleta Russa com aqueles estranhos.
“Faça
isso, liberte-se...”- uma voz estranha, distante, semelhante ao ruído do vento
soprando folhas mortas começou a cantarolar em sua mente, causando arrepios
gélidos que irromperam por sua nuca. “Seja livre, coloque um fim a essa dor,
tudo vai acabar, apenas coloque um fim na depressão...”
O
sangue de Katarina gelou em suas veias quando o cano morno da arma tocou em sua
cabeça, pouco acima da orelha esquerda, sobre seu cabelo preto. Então seu dedo
indicador começou a pressionar o gatilho.
Ela queria gritar, fugir daquele horror, mas uma força sombria, obscura,
totalmente depressiva, a estava controlando.
CAPÍTULO 3
Lágrimas geladas começaram a rolar pela
face de Katarina, queimando seu rosto. Ela tinha os dentes cerrados, lutando
para abaixar seu braço e jogar aquela arma terrível o mais longe possível. Uma
agonia tenebrosa assolava seu espírito, tornando-se um pavor incontrolável.
Como
que obedecendo sua vontade, o dedo conteve a pressão sobre o gatilho e o braço
começou a abaixar, desencostando o cano de sua cabeça. Uma sensação de alívio
invadiu seu peito, onde o coração o esmurrava loucamente.
Por
um momento Katarina começou a chorar de alívio, feliz por não cometer aquele
ato insano de suicídio.
Mas então ela
engasgou quando sentiu um gosto ácido de metal em sua língua e deu-se conta, em
total estado de choque, que agora o cano do revólver estava em sua boca, entre
as fileiras de seus dentes.
Katarina começou
a gemer, soluçando loucamente, tentando sair daquela dominação satânica,
balançando a cabeça, agitando o corpo e o braço com a arma, tentando gritar,
mas sua mão estava firme com os dentes ajudando a manter o cano do revólver em
sua boca enquanto seu dedo pressionava lentamente o gatilho. Até que por fim o
disparo aconteceu, como uma explosão, e tudo se tornou negro como a noite. A
escuridão a devorou instantaneamente, envenenando todo seu ser com uma
depressão profunda e aterrorizante, fazendo-a sentir cada célula ser corroída
pelas trevas.
***
“BANG!”-
novamente aquele ruído tenebroso invadiu os ouvidos de Katarina quando ela
despertou, sentindo-se grogue, estava naquele aposento, sentada à uma mesa, na
companhia de pessoas estranhas. Mesmo com sua visão turva, ela viu o corpo de
um homem gorducho tombar ao seu lado com a cabeça estourada. Na mão do homem, caída sobre a mesa,
repousava um revólver fumegante, o cheiro de pólvora enchendo o ar e dificultando
sua respiração.
Katarina
chorava, sentindo as lágrimas frias rolarem por sua face, sentia seu corpo
dominado por uma estranha e depressiva força maligna. Pedaços de memórias
faiscavam em sua mente como flashes, trazendo amargura, dor e
arrependimentos...
Katarina
se lembrava daquele dia escuro, sombrio e silencioso em que decidiu colocar um
fim em sua vida miserável, pois assim seu sofrimento acabaria, ficaria livre da
depressão que a atormentava dia após dia…
Pobre
Katarina, como ela estava errada. E agora seu espírito estava ali, naquele vale
dos suicidas, onde todos os dias eram negros como a noite, fadada a reviver sua
morte e sentindo cada pedaço daquele paradoxo de dor.
Ela
havia ensaiado em sua mente, enquanto estava viva, tantas e tantas vezes aquele
momento, imaginando que se apossava da arma de seu pai e a apontava para a
própria cabeça, feliz por ser algo indolor, rápido, prático, e então estaria
tudo terminado. Ela jamais pensou que, na verdade, estava apenas criando o seu
próprio inferno e que agora, adormecida pelo torpor da inconsciência, revivia
incansavelmente aquilo que projetou com sua vontade criadora. Para ela, a
morte agora nada mais é do que uma ciranda no carrossel do inferno, sentada à
uma mesa em meio as trevas, brincando de Roleta Russa com seus iguais, compreendendo
que a morte não é o fim, mas apenas um novo começo.
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