Escrito
por ALLAN FEAR
CAPÍTULO
1
As velas brancas foram
acesas uma após a outra. Elas queimaram e se foram, deixando aquelas lágrimas
de cera derretida.
Ele se ajoelhou diante do altar implorando ao altíssimo
por ajuda. A ajuda que nunca veio.
Ele suplicou diante das imagens santas, mas aqueles
rostos vazios permaneceram petrificados. Não houve sequer um sinal.
Lágrimas de dor, de angústia e de frustração rolaram por
sua face. A cada findar do dia ele se sentia pior, mais miserável.
O rostinho daquele anjinho, aquela que era tudo que lhe
restara na droga de vida, permanecia pálido e sereno.
Pobre e doce Hanna, tão novinha, tinha toda uma vida pela
frente, mas uma maldita doença a deixou ali, presa àquele leito entre a vida e
a morte.
Pobre Hanna, os médicos não podiam ajudar, eles apenas
esperavam enquanto os aparelhos a mantinham viva.
Sem esperança para a pobre Hanna. Ele sentia falta dos sorrisos
da filha, tão parecida com a mãe, oh! Pobre mulher que repousava à sete palmos
de terra, vitimada pelo parto da única filha.
Aquele pai sofredor derramava lágrimas diante do leito da
filha. A angústia o corroía por dentro. Hanna era tudo que lhe restava, era sua
razão de viver.
Naquela madrugada triste e fria quando ele foi chamado às
pressas para o hospital, a vida de sua filha estava por um fio meio partido de
teia de aranha. O pobre homem pediu para ficar a sós com sua amada filha.
O homem se ajoelhou diante do leito,
consciente que a vida da pobre garotinha de apenas cinco anos estava indo
embora, se esvaindo a cada minuto.
Ele implorou novamente por ajuda. Estava disposto a tudo,
faria qualquer sacrifício para que a vida de Hanna fosse poupada.
-Eu dou meu sangue, minha alma, minha vida, tudo que for
preciso em troca da vida desta garotinha... Oh! Senhor, ouça-me...
Mas então após um sombrio e pesado silêncio, ele viu,
através do vidro da janela, aquela grande estrela brilhante no céu cintilar,
parecendo ficar mais luminosa.
A luz da radiante estrela penetrou o aposento
e uma voz veio em sua mente inundando-a com um brilho que o cegou.
CAPÍTULO 2
A voz de um timbre masculino, imponente e bela disse-lhe:
-Entregar-me-ia
vossa Merkabha* como uma coroa de ouro e toda vossa devoção?
O homem ficou deslumbrado com aquela luz radiante, abriu
os olhos, mas a luz permaneceu, tudo era luz à sua volta. Uma luz imaculada e brilhante
como ele jamais viu igual.
O homem não mais
sentiu a dor de seus joelhos pregados no chão. Ele não mais sentiu aquela
tristeza que se abatia sobre ele, ele apenas sentiu uma alegria inefável
inundar todo seu ser.
-Eu te entregarei tudo que quiser desde que salve a vida
de minha garotinha. – Foram as palavras que ele conseguiu pronunciar naquele
estado de êxtase.
-Que assim seja!
– Foram as palavras daquela voz tão doce e envolvente que se fez ouvir em sua
mente.
O homem esperava poder voltar a ver o ambiente e olhar
para a face de sua filha, vê-la se erguer e poder abraçá-la.
Mas isso não aconteceu.
A luz se foi instantaneamente e uma escuridão fria e
angustiante o engoliu, puxando-o para baixo. Ele se sentia caindo num vazio
imenso.
Mas então lá estava ele, dando-se conta de que caíra em
um mar de fogo.
A dor indizível o atingiu como uma onda de choque
aterradora. Labaredas de fogo lambiam sua face e todo seu corpo, queimando sua
pele, fazendo bolhas enormes crescerem e estourarem.
Dor, loucura e mais dor, era tudo o que ele sentia, o
fogo o consumia, devorava vorazmente sua carne, queimava seus ossos e os
carbonizavam.
Ele gritava, mas não eram apenas gritos, eram também
rangeres de dentes. Gritos, como os dele, ecoavam por toda parte num coro
infernal.
O horror indizível o assolava. O fogo queimava até sua
alma.
Ele gritava, mas o fogo continuava queimando, queimando-o
impiedosamente.
CAPÍTULO
3
“Por que jogaste-me no
fogo ó estrela da manhã?” indagou ele em sua mente dilacerada pelas chamas e
pela loucura. “Tú que portas a luz mais brilhante, que me destes esperança no
último momento, por que fizestes isto comigo?”
Então as chamas se foram e a luz mais brilhante retornou
em toda sua glória e onipresença.
-Eu sou a luz da
luz, redima-te de teus pecados e então poderás adorar-me como teu senhor! –
A voz imponente e majestosa retornou em sua mente acalentando sua dor e
inundando-o de ternura. -Apenas o fogo do
inferno tem o poder para purificá-lo. Tú queimou nas chamas infernais e o mal
que tú mesmo criastes dentro de ti foi destruído, erga-te como um iluminado e
siga teu caminho, mas lembre-te que quando as portas da Lemúria forem abertas,
vós deverás coroar-me com vossa Merkabha de luz e então será o dia em que eu me
assentarei no trono mais elevado.
Tão rápido como uma flecha no ar o homem estava novamente
no quarto de hospital. Mas ele se sentia bem, todo o fardo pesado havia sido
retirado de seus ombros. Uma paz indizível preenchia seu coração. Em seu corpo
não havia nenhuma marca de queimadura.
Ele ficou de pé, olhou para o corpo da filha, ainda
inerte sobre o leito. Mas antes que pudesse sequer formular um pensamento, ele
viu algo fantástico.
No canto do quarto surgiu um ser de luz que foi ganhando
forma e se manifestou com a silhueta de sua falecida esposa, que segurava sua
filha nos braços.
A mulher fantasmagórica sorriu e colocou a menina no
chão, a garotinha imediatamente correu de volta para o corpo deitado no leito
para em seguida fazer os aparelhos apitarem e ela se erguer.
O homem olhou para a menina, emocionado e quando voltou a
olhar para o canto do aposento o espírito de sua esposa havia desaparecido.
O pai abraçou afilha. Um abraço apertado enquanto a
beijava na cabeça. Lágrimas desciam pelo
rosto dele.
-Papai chega de abraços, - Disse a garotinha, - eu estou
com fome, podemos comer um sanduíche?
Nota: Merkabha* A
Merkabah, segundo diversas tradições esotéricas, é o veículo de luz do ser
humano, capaz de transportar o espírito (em estágios mais avançados até o corpo
físico) para outras dimensões.
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