Escrito
por ALLAN FEAR
CAPÍTULO
1
Eu senti meu estômago
embrulhar enquanto fitava as papadas de minha esposa Dora, escorrerem para o
seu peito. A pobre desgraçada lutava para enfiar uma salsicha enlatada na boca
enquanto erguia sua cabeça do encosto do sofá.
Pobre Dora, já fazia alguns dias que ela estava ancorada
naquele maldito sofá. Eu não conseguia mais suportar aquela situação, dei as
costas para ela e deixei o nosso lar. Eu precisava chegar ao trabalho.
Meu nome é Joaquim Homer, tenho apenas 25 anos e muitos
dizem que sou muito novo para ser casado, mas eu diria que sou muito novo para
vivenciar aquele pesadelo em que se transformou minha vida.
Dora era uma garota linda, nos amávamos e tudo ia bem até
meu velho descobrir nosso relacionamento e me fazer escolher entre focar nos
estudos ou ter uma namorada, eu escolhi a segunda opção.
O filho da puta do meu velho me expulsou de casa,
obrigando-me a trancar a merda da faculdade.
Mas os pais de Dora nos ajudaram e permitiu que fôssemos
morar nesta pequena cidade estranha chamada Hawthersville, em um dos
apartamentos desocupados da família. De quebra, ainda me arrumaram trabalho no
Hawthermart, o único supermercado da cidade.
Peguei minha velha moto e acelerei pela Hollow Street, a
rua principal da cidade.
Meu pesadelo começou assim que nos mudamos e, no meio da
noite, Dora foi picada por um inseto e acordou gritando.
Pensamos que não fosse nada e ela apenas tomou um
analgésico para dor, mas no outro dia ela acordou com o braço inchado e uma
inflamação no local da picada, mais tarde ela começou a engordar e inchar de
forma medonha.
Ela foi medicada e segundo o doutor, ela apenas precisava
tomar os remédios que ele lhe receitou e esperar que voltasse ao normal.
Mas já faz uma semana que, ao meu ver, ela apenas
continua engordando e as papadas não param de descer. Será mesmo que ela vai
voltar ao normal algum dia?
CAPÍTULO
2
Lá estava eu novamente
repondo mercadorias nas prateleiras de enlatados do supermercado. Meu turno
começava às 18 horas e ia até o fechamento, que normalmente se dava umas duas
horas da manhã.
Eu estava distraído com meus pensamentos, preocupado com
minha esposa, tentando imaginar que tipo de insetos viviam nesta cidade para
causar aquele tipo de doença, quando de repente, ouvi um pigarro às minhas
costas.
Olhei para trás e meus olhos foram tomados por um horror
indizível.
CAPÍTULO
3
Eu tive de apertar meus
olhos para poder entender do que se tratava aquela coisa vindo em minha
direção.
Era um homem muito, mas muito velho, estava metido em um
terno preto de listras brancas. A bengala tremia em uma de suas mãos ossudas.
O ser caminhava de vagar, tinha as costas arqueadas e a
face horrendamente velha. O queixo oscilava como testículos e os lábios secos
eram semelhantes a lagartas enrugadas.
Como alguém poderia ainda continuar vivo com tanta idade?
Seria uma espécie de zumbi?
A coisa velha caminhava em minha direção e ao se
aproximar, eu senti o odor de carniça e reparei no volume da fralda geriátrica
sob suas calças.
O ancião em idade
muito avançada ergueu sua mão e tocou em meu braço, enterrando seus dedos
ossudos em minha pele.
Eu senti meu lanche da tarde revirar no estômago. O
desgraçado me puxou para poder falar em meus ouvidos com sua voz pastosa e o
hálito fétido. Tinha força surpreendente apesar da aparência cadavérica.
Mas eu não consegui aguentar aquilo, ergui a lata de
conserva que segurava na mão e ameacei cravá-la em sua cabeça, exigindo que ele
se afastasse.
O velho fez uma expressão de espanto, olhou para a lata
erguida em minha mão, largou meu braço e cambaleou para trás. Eu vi medo
naqueles olhos murchos em suas órbitas opacas. Ele sabia que um golpe daqueles
lhe seria fatal. Mas então para meu
horror, o idoso se desequilibrou em uma caixa de conserva no chão e caiu,
batendo sua cabeça na beirada da prancha com caixas para reposição ao lado da gôndola
de mercadorias.
Sua cabeça produziu um som doentio ao ser despedaçada
pela ponta de metal. Tudo que estava naquela cabeça velha começou a sair como
quando um ovo se quebra ao cair no chão.
CAPÍTULO
4
Eu tive que engolir meu
vômito para não fazer um merengue de merda e fedor naquela maldita noite.
E agora o que diabos eu poderia fazer?
Eu ameacei o ancião e graças a isso ele tropeçou e caiu.
Com o coração a mil, engolindo aquele odor de carniça, eu
entrei em pânico, jamais havia presenciado uma morte, ainda mais daquela forma
grotesca.
O
supermercado estava vazio, mas logo ouvi o assovio e soube que Joelma, a mulher
da limpeza, vinha para meu corredor, olhei e não vi câmeras naquele setor,
desesperado, sem pensar direito eu simplesmente empurrei o velho para debaixo
de uma das gôndolas de mercadorias e quebrei algumas latas de conservas sobre a
massa encefálica e pedaços de cérebro no chão.
-Diabo
dos infernos! – Exclamou a mulher gorducha e de poucos amigos ao entrar no
corredor dos enlatados e ver a sujeira no chão. –Parece que vocês, repositores
de merda, adivinham que estou chegando e aproveitam para fazer suas lambanças.
-Me
desculpe, eu ia repor a mercadoria, mas as embalagens caíram e... – Comecei a
falar, atropelando as palavras, tentando parecer natural, mas eu estava muito
nervoso.
-Saía
já daqui que eu limpo essa bagunça. – Murmurou a mulher irritada.
Eu
comecei a sair do corredor às pressas, sentindo o coração esmurrar meu peito
quando ela me chamou, isso fez o sangue gelar em minhas veias.
CAPÍTULO
5
-Por acaso você cagou
aqui? – Indagou Joelma me encarando com desconfiança.
-N-não, claro que não. Eu...
-Hummm, isso fede a merda meu jovem, do tipo que não se
pode segurar até chegar ao banheiro. – a mulher me encarava, estudando minha
expressão, vendo as gotinhas de suor escorrerem por minha testa. –Venha cá.
-Eu preciso ir no depósito buscar mais algumas caixas de
mercadorias, eu...
-Se eu souber que você cagou nesse chão, eu juro que
costuro seu cú! – Vociferou a mulher, correu até mim com uma agilidade de
felino e me abraçou com força.
-Espere dona Joelma, eu não... Ai, mas que merda está
fazendo?
A miserável teve a
audácia de enfiar a mão sem a luva dentro da minha calça Jeans e dar uma dedada
no meu ânus.
Então ela me largou e cheirou os dedos, enquanto eu a
fitava totalmente embaraçado e assustado, sentindo minhas bochechas corarem.
-Agora eu acredito que você não cagou aqui, - Disse ela
após cheirar os dedos e enfiar a mão dentro de uma luva de plástico azul.
–Essas conservas devem estar podres, é melhor checar a validade depois. Está
fedendo carniça pura.
-Eh, pode ser, eu vou verificar... – murmurei sem jeito ainda
embasbacado com a situação.
-Agora suma daqui seu monte de bosta e me deixe fazer o
meu serviço. – Mandou a mulher. Eu obedeci na hora.
Mas o pior ainda estava por vir.
CAPÍTULO
6
Eu só queria sair
daquele maldito supermercado, ir pra casa e ver minha esposa. Mas ao deixar o
setor de conservas, me deparei com uma das encarregadas, uma moça estranhamente
pálida com olhos iguais de um camaleão.
-Olá novato, por acaso viste o Sr. Carr Hawther? –
Indagou Viviane.
-Desculpe-me, mas não o conheço e acho que não o vi.
-É um senhor bem de idade que anda muito devagar. Ele
estava procurando algumas conservas, mas como até agora não voltou, acho que
deve ter se perdido.
-Eu não o vi.
-Está bem, caso o veja, conduza-o em segurança até o
caixa e seja bem gentil com ele. O Sr. Carr Hawther é um dos colonizadores
desta cidade e o morador mais antigo ainda vivo.
Ela sorriu pra mim e foi em busca do homem.
Merda, eu havia causado a morte do velho e ainda chutado
seu cadáver até conseguir escondê-lo embaixo da gôndola.
Aquela era uma cidadezinha estranha, os moradores eram
excêntricos, de pouca conversa, com certeza eles me linchariam se descobrissem
que eu havia ocasionado a morte daquele ancião.
Eu precisava pegar minha esposa e dar o fora daquela
maldita cidade ou eu estaria bem ferrado.
Dei um jeito de
sair de fininho do supermercado que começava a encher de clientes, peguei minha
moto e acelerei pela Hollow Street.
Nuvens cinzentas cobriam o céu e relâmpagos faiscavam à
medida que eu acelerava com a adrenalina a mil por hora.
Por fim cheguei no sórdido conjunto habitacional que se
localizava no final daquela rua, estacionei a moto e subi para o meu
apartamento que ficava no terceiro andar.
-Mas o que está acontecendo aqui? – Indaguei em voz alta
sobre o murmúrio de várias pessoas que se amontoavam à minha porta. Todas elas
se voltaram para mim, tinham semblantes preocupados e irritados.
-Tem um bicho preso gemendo em seu apartamento. – Falou
uma senhora com cara de poucos amigos.
-Que tipo de bicho você está escondendo aí dentro meu
chapa? – Indagou um
homem negro de pelo menos 2 metros de altura, braços cruzados
e semblante furioso.
-Eu não tenho bichos aí dentro, apenas minha esposa, ela
estava passando mal e... – parei de ficar me explicando e corri para ver como
Dora estava.
Após conseguir acertar a chave na fechadura, abri a porta
e comecei a gritar de pavor.
CAPÍTULO
7
O horror gelou o sangue
em minhas veias quando adentrei meus aposentos. A visão macabra aterrorizou-me
até a medula.
Toda a sala estava arruinada, cheia de gosma amarela e
rosada espalhada, escorrendo de forma viscosa das paredes e móveis.
-Seu porco, olha o estado do seu apartamento.
-Vizinho carniceiro.
-É assim que você vive? Seu nojento!!
Eu ouvi as reclamações e indignações dos vizinhos às
minhas costas, acotovelando-se para bisbilhotar meu apartamento.
-Isso não é da conta de vocês, saíam! – Gritei por fim e
fechei a porta. – Dora, onde você está? O que houve aqui?
Foi então que eu senti o chão tremer e ouvi o som
estrondoso das passadas e vi com horror aquela coisa repugnante irromper da
cozinha arruinada.
-Oh! – exclamei espavorido ante a visão assombrosa do que
antes fora minha amada esposa, agora convertida em uma monstruosidade horrenda.
Oh! Tão horrenda que faz-se impossível descrever o
indizível horror gordo em que que ela se transformou.
Os olhos e nariz de Dora haviam sido submersos na gordura
voraz de seu rosto. Os lábios pareciam uma boia vermelha muito bem inflada.
Gemendo e gruindo Dora, ou a monstruosidade hedionda em
que ela havia se transformado, abriu a bocarra para me atacar. Estava
enlouquecida pela doença.
Eu tentei correr,
fugir daquele amontoado de carne monstruosa, mas não consegui destrancar a
porta a tempo.
Eu fui agarrado pelos ombros e puxado, jogado no chão com
força, senti minhas costelas se partirem e Dora pulou sobre mim.
Um som doentio explodiu no aposento quando minha querida
esposa Dora se desfez em uma nojenta massa de carne rosada, como uma gelatina
disforme que me cobriu.
A massa de carne e gases malcheirosos me encobriu
enquanto eu tentava nadar naqueles sulcos de carne e sangue.
Mas quando senti a dor corroendo minha pele, eu soube que
eu não mais iria a lugar algum. A massa gosmenta que um dia havia sido minha
esposa Dora, agora me corroía e dissolvia minha pele como ácido sulfúrico.
Eu comecei a gritar, mas sabia que não havia como
escapar, eu estava destinado a me tornar UM com minha amada esposa. Fundiríamos
em uma estranha e voraz massa de carne corrosiva.
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