Escrito
por ALLAN FEAR
Parte
1
Eu segurei firme pela
traqueia da minha esposa que gritava e agitava os braços e fui cambaleando para
trás até alcançar o taco de beisebol que encimava a lareira, o tirei do suporte
abaixo da foto de quando eu tinha 13 anos e fui campeão no time do colégio.
Eu empunhei o taco de beisebol como nos velhos tempos e o
desci com toda a força sobre o crânio de Isabelle. A primeira pancada a fez
cambalear para trás, eu larguei sua garganta e comecei a sessão de afundamento
craniano.
Eu parecia gostar daquilo, de alguma forma eu me lembrava
do inferno que minha vida tinha se transformado por conta daquela mulher.
Eu fui salpicado não apenas com o sangue de minha esposa,
mas também com pedaços de seus miolos quentinhos que pareciam saltar das fendas
em seu crânio como macarrão miojo em água fervendo.
Aquilo era assustador pra porra, era meu primeiro
homicídio. Mas a coisa ficou ainda mais aterrador após o cadáver da minha
mulher com a cabeça estourada cair no chão e uma vozinha chorosa indagar:
-Papai, por que o
senhor fez isso com a mamãe? – Eu me virei e vi minha filha de apenas 4
aninhos parada à porta de seu quarto. A pobre menina estava pálida de medo,
tinha as unhas enterradas no ursinho de pelúcia em suas mãos e lágrimas
escorrendo por sua face.
Eu não sabia o que fazer, fiquei espavorido, o terror
estava estampado no rosto de minha filha. Seu queixo tremia. Ela estava
paralisada pelo pavor.
Eu apertei o taco de beisebol em minha mão direita, sabia
que não poderia deixar ela passar por esse trauma, isso arruinaria sua vida
para sempre.
“Calma filhinha, papai vai dar um jeito.” Foi isso que eu
tentei falar, mas minha voz não saiu. Dei um passo em direção a ela com um
único pensamento na cabeça: Uma ou duas tacadas em sua cabecinha e ela poderá
dormir em paz. Era isso ou eu poderia tentar explicar pra ela porque eu havia
estourado a cabeça de sua mãe.
Não, nem fodendo minha filhinha entenderia tal merda.
Eu me aproximei da pobre garotinha paralisada de medo e
ergui o taco de beisebol com minhas mãos trêmulas, talvez ela poderia dormir na
primeira pancada.
Parte
2
Eu estava pronto para
esmagar a cabeça da minha única filha, o amor da minha vida, lágrimas de raiva
desciam por minha face. Era preciso, não tinha jeito.
Mas quando eu ia afundar aquele crânio coberto por cabelo
loiro longo e liso, ela me abraçou e disse em sua vozinha trêmula: Te amo
papai, não esmague a minha cabeça, eu ainda não sou um deles.
Diante de tal situação eu larguei o taco de beisebol no
chão e peguei minha filha nos braços, abraçando-a enquanto ela soluçava e chorava.
Eu pedia-lhe perdão. Eu a amava demais, como pude pensar em assassiná-la?
Mas para nosso horror eu ouvi um estrondo e vi a porta da
sala ser arrombada e dezenas de criaturas horripilantes adentraram os meus
aposentos.
Minha filhinha gritou apavorada enquanto eu, em pânico,
congelado pelo horror, tentava mover minhas pernas paralisadas para escapar
daquele horror indizível.
Parte
3
Meu nome é Marcos
Grivinu, e nunca pensei em tanta merda duma única vez. Minha vida como
empresário era uma bosta, mas merda nenhuma poderia ser pior do que a que me
aguardava a partir daquele dia fodido da porra.
Eram
nossos vizinhos que estavam invadindo minha casa, pessoas simpáticas, mas que
após aquela epidemia, haviam ficado doentes, com um surto de febre alta e
faleceram, apenas para voltar em seguida como zumbis famintos por carne humana.
Isso estava acontecendo por toda a maldita cidade de Hawthersville.
Por fim, eu consegui me mover e fugir daquele pequeno
bando de mortos-vivos. Corri com minha
filha pelo corredor, sentindo dentes estalando e mãos querendo nos agarrar
enquanto Lara gritava nos meus braços, até sair pela porta dos fundos e ganhar
a rua abarrotada de corpos mutilados e veículos parados.
Já fazia uma semana desde que as pessoas haviam ficado
doentes e começaram a virar zumbis, espalhando a epidemia.
Eu estava fora de Hawthersville na Transilvânia, em
viagem de negócios quando soube da epidemia e que minha esposa não se sentia
muito bem e vim o mais rápido que pude.
Quando cheguei em casa naquela manhã, Laura, minha
esposa, levantou do sofá e tentou me atacar, louca para cravar seus dentes em
minha carne, ela havia se transformado em zumbi e foi por isso que eu a matei,
embora essa ideia já tinha passado muitas vezes por minha cabeça. Laura era o
satanás em forma de mulher. Ela estava literalmente fodendo com minha vida.
Adentrei meu Etios e acelerei pela rua, desviando dos
carros e passando por cima dos cadáveres.
Eu não queria que minha filha passasse pela merda de um
apocalipse zumbi. Mas agora eu teria de ver até onde poderíamos chegar.
Peguei uma estrada de terra que poderia nos levar
até algumas fazendas onde poderíamos estar à salvo das hordas que provavelmente
já estariam infestando as grandes cidades.
Uma hora depois minha filha dormia no banco do carona
mesmo com o sacolejar do veículo na estrada irregular. Mas de repente, ela
começou a roncar e me fez sair de meus devaneios assombrosos. Eu me voltei para
ela, colocando a mão em seu ombro e indagando se estava tudo bem, foi quando eu
vi a marca de uma mordida em seu ombro.
-Lara, acorde, você está bem?
Ela acordou, abriu os olhos e meu sangue gelou ao fitar
aquelas pupilas brancas enquanto sua boca se escancarou num grito faminto e ela
me atacou.
Parte
4
Eu chorava desesperado
enquanto que com uma mão segurava o volante e com a outra o ombro da minha
filha para impedi-la de me devorar.
Pisei no freio até parar o carro, fazendo Lara cair para
a frente e saí do carro. Mas ela veio atrás de mim, gemendo e com aqueles olhos
sem vida, aquele olhar faminto dos mortos.
Ela era lenta, saiu engatinhando do carro pela porta do
motorista e foi neste momento que eu catei uma grande e pesada pedra, ergui-a
com as duas mãos para afundar o crânio de minha filhinha zumbi.
Lágrimas voltaram a rolar dos meus olhos, queimando minha
face enquanto eu fitava minha pobre filhinha aos meus pés, tocando minhas
pernas enquanto estalava seus dentes tentando me morder como se eu não passasse
de um maldito pedaço de carne.
Agora era a hora de rachar seu crânio e colocar um fim
naquele horror.
Parte
5
Chorando, eu larguei a
pedra e peguei minha filha por um dos braços e cabelos, evitando sua boca, e a
joguei dentro do porta-malas. Eu definitivamente não estava pronto para perder
minha filha, aquela que poderia ser meu único parente ainda... “vivo”? Bem esta
não é a palavra certa, talvez “inteiro” seja mais adequada.
***
De todos as formas do mundo acabar aquela foi a pior e
mais fedorenta de todas. Os zumbis andando por aí em bandos e até mesmo grandes
hordas, devorando pessoas e animais, e o fedor?
Era fácil detectar zumbis, eles fediam muito, à medida
que os dias iam passando e todo meio de comunicação ia sumindo e os zumbis
aumentando sua população de mortos-vivos, o cheiro de carniça ia se espalhando
por onde eles vagavam.
Eu me abriguei numa fazenda onde a família havia cometido
suicídio e fiquei vivendo ali, deixei minha filha zumbi trancada num quarto e
ia alimentando ela com bons suínos ou aves.
Quando a comida estava escassa eu ia até a cidade saquear
algum estabelecimento.
Mas era uma droga, os mortos fediam demais, eles comiam e
comiam e se cagavam todo, era bizarro ver a merda descendo pelas pernas dos que
usavam shorts e saias ou vestidos ou mesmo aqueles que cambaleavam nus pelas
ruas.
Mais escroto ainda eram os zumbis de calça, eles vagavam
por aí com suas bundas infladas de tanta merda, loucos por devorar mais carne.
Eu não encontrava uma viva alma por onde eu passava,
apenas zumbis fedorentos. Era fácil ficar na surdina e saquear os
estabelecimentos sorrateiramente.
Foi num dia triste e chuvoso, que eu peguei o rifle que o
fazendeiro usou para dar cabo da sua vida e da sua família e coloquei o cano na
boca pronto para puxar o gatilho e por fim na minha vida de bosta.
Parte
6
Eu fui um covarde, não
tive coragem de tirar minha vida e segui naquela rotina miserável, ora caçando
animais, ora indo até a cidade saquear estabelecimentos. Mantive minha filha no
cativeiro enquanto a alimentava e a limpava. Por vezes enquanto trocava sua
fralda eu vomitava diante da carniça que exalava daquele pobre zumbi, sempre
cheia de fome. Dia após dia os traços da minha pobre Lara iam desaparecendo.
Em
uma das minhas viagens a cavalo em busca de suprimentos, eu tive problemas com
os malditos mortos-vivos fedorentos, era uma grande horda que se aglomerou na
rua e tive que me esconder por horas na sobre loja de uma mercearia.
Quando por fim pude sair do meu esconderijo, me
esgueirando pelos fundos do estabelecimento, me dei conta de que já estava
anoitecendo. Eu precisava sair das ruas
e chegar até o meu cavalo que havia deixado escondido entre as árvores no alto
de um morro.
Andava eu na surdina pela rua quando vi um casal lutando
contra um zumbi cujos dentes estavam cravados na bota da mulher. Eu não pensei
duas vezes e decidi ajudá-los, afinal fazia tempo que eu não encontrava mais
ninguém vivo.
Ágil como uma pantera eu ataquei o zumbi com um fatal
golpe de facão divisor de crânios, em seguida estendi a mão para a jovem e
exibi um sorriso amigável.
-Olá, meu nome é Marcos Grivinu, é bom encontrar pessoas vivas,
eu pensei que eu fosse o único? – Falei.
-AAARRRRGGHHH! – O grito escapou de minha garganta quando
fui atingido por trás na cabeça. Caí no chão meio zonzo, o facão voou da minha
mão, e foi então que eu e vi meu agressor: um velho de barba grisalha com um
porrete na mão.
Eu tentei dizer que eu estava ali para ajudar, que tinha
matado o morto-vivo, mas não tive tempo, e foi com horror que vi a jovem mulher
meter uma faca na minha perna e seu companheiro vir pra cima de mim.
-Vamos matar esse filho da puta rápido antes que mais
errantes apareçam. - Falou o velho erguendo o porrete para desferir mais uma
cacetada. -Ele tem uma mochila que deve estar cheia de provisões.
O sangue jorrava da minha perna, a dor era lancinante e
minha cabeça girava, a pancada me deixou tonto, aqueles três ingratos iriam me
matar.
O rapaz me deu um gancho de direita na cara, fazendo eu
sentir meus dentes chacoalharem e o gosto de sangue encher minha boca.
Em seguida o velho me deu uma boa paulada que acertou no meu
braço esquerdo que usei para defender minha cabeça, então olhei para a vadia
que eu havia salvo pular sobre mim pronta para espetar sua faca no meu peito.
Eu estava muito ferrado.
Parte
7
A raiva e o ódio pela
ingratidão daqueles merdas filhos da puta me deram forças, eu saltei para o
lado e com o braço bom empurrei a vagabunda pelo ombro, corri e peguei o facão,
já virando e rasgando as pernas do velho que havia vindo em meu encalço.
O velho berrou quando suas pernas foram rasgadas e seu
sangue esguichou no asfalto.
Eu fui rápido, mesmo mancando da perna esfaqueada e com o
braço esquerdo fraturado, brandi o facão e o desci com força no pescoço da
vagabunda no momento em que ela iria me atacar com sua faca suja com meu
sangue.
A puta deixou a faca cair e tentou estancar a boceta
aberta em seu pescoço com as mãos, aí eu me ajoelhei e espetei sua barriga com
meu facão.
Quando retirei a lâmina de sua barriga, suas tripas e
vísceras desceram como merda numa cachoeira de sangue.
Eu me voltei para o puto que me olhava com seus olhos
esbugalhados de terror. Então ele começou a correr.
Eu queria ir atrás dele, mas minha perna doía pra
caralho, então ajeitei a mochila nos meus ombros e andei até o velho que
agonizava e decidi que ele seria uma boa refeição para minha filhinha zumbi,
poderia destrinchá-lo ali mesmo.
Mas antes de arrancar a cabeça do maldito idoso, ouvi os
gritos do rapaz que havia fugido. Olhei na direção dos gritos e lá estava ele
sendo cercado por uma horda de zumbis.
Os mortos-vivos começaram a comer o rapaz com mordidas
famintas para em seguida enfiarem suas mãos podres em suas entranhas e puxar
suas tripas.
Eu precisava dar o fora dali, deixei o velho agonizando
lá, implorando por ajuda e corri mancando até adentrar a floresta em busca de
meu cavalo.
Pouco depois, quando eu já estava cavalgando para casa,
que me dei conta da merda que eu havia feito. Mas tudo bem, era eles ou eu.
Que bosta de mundo, que merda de vida, a solidão me
devorava a alma e quando finalmente eu encontro pessoas vivas elas são piores
que os zumbis fedorentos.
Essa é minha vida agora? Criar uma filha zumbi que cada
dia que passa está mais podre? Viver, ou melhor, sobreviver num mundo fedorento
tomado pelos mortos?
Eu não posso nem mais dar uma trepada com uma mulher.
Quer dizer, eu até poderia trepar com uma morta-viva, mas isso seria nojento
pra caralho.
Pelo visto a única forma de foder uma mulher neste mundo
de merda é como fiz agora apouco, com meu facão, enfiando lá no fundo.
Até quando que eu aguentaria essa merda de vida?
Parte
8
Eu tentei ser um bom pai, dava banho em Lara, coloquei
uma peruca loira nela depois que seus cabelos caíram junto com o escalpo de sua
cabeça quando a penteava. Eu cheguei a usar alguns produtos de beleza para
melhorar seu aspecto daquela decomposição acelerada.
Mas não fazia sentido insistir em continuar vivendo
naquele mundo tomado pelos mortos. Era o reino de Hades, os vivos eram apenas
alimento para as hordas de mortos-vivos que crescia cada vez mais.
Em uma das minhas procuras por comida, alguns meses
depois daquele apocalipse ter começado, do cavalo que eu montava, eu passei por
algumas cidades e vi no que o mundo havia se transformado.
Na
surdina eu observei os zumbis, eles eram pacíficos entre si, não havia mais
violência, eles apenas matavam para comer, exatamente como os animais fazem. Diferentes dos humanos ingratos que te
apunhalavam pelas costas.
Os
zumbis eram simples, sabiam conviver em grupo, respeitavam uns aos outros e não
agrediam a natureza. Eles eram, afinal
de contas, a evolução humana.
O
mundo dos mortos-vivos era um mundo pacífico, cheio de harmonia. A natureza
havia tomado as ruas, florescendo lindamente. O velho sistema de crença, de
política, de violência, tudo havia acabado.
Um
sorriso iluminou minha face e eu cavalguei às pressas para a fazenda onde eu
vivia.
Ao
chegar na fazenda eu desci do cavalo e corri para minha filha, abri a porta do
cativeiro e a envolvi em um abraço, chorando de felicidade e depois de dor,
afinal ela se aproveitou daquela oportunidade para cravar seus dentinhos de
leite no meu pescoço.
Eu
sabia que a febre seria terrível, mas logo eu estaria liberto de todo o mal que
a sociedade me fez, eu seria um novo ser, um pai para minha filha neste novo
mundo pacífico, fedorento, onde tudo que importava era a necessidade mais
básica do ser humano: Se alimentar.
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