Escrito
por ALLAN FEAR
CAPÍTULO
1
Kate jogou uma rosa
branca dentro do túmulo aberto. A rosa caiu suavemente sobre o caixão fechado.
Uma lágrima rolou por sua face pálida. Era um dia frio e silencioso, o céu
estava nublado, uma garoa suave e gélida caía mansa e triste.
Kate
se afastou da cova aberta e o coveiro começou a jogar a terra vermelha sobre o caixão.
Kate
dizia adeus a seu namorado. Mas ela não estava triste, estava liberta daqueles ciúmes
possessivos de Arthur. Estavam juntos havia 1 ano e o ciúme doentio dele havia
ficado cada vez pior. Mais intenso, com Arthur controlando sua vida. Mas então,
num dia como outro qualquer, Arthur sofreu um acidente de bicicleta e veio a
falecer. Era trágico, mas já fazia alguns meses que Kate tentava terminar o
namoro, mas Arthur não permitia, dizia que ela lhe pertencia. Afastava-a de
seus amigos. Arruinava sua vida.
Diante
do túmulo do namorado, Kate chorava, mas sentia uma estranha felicidade invadir
seu peito. Finalmente ela estava liberta. Poderia voltar para sua vida, seus
amigos.
Os
familiares de Arthur e amigos choravam, tristes. Arthur era um cara legal,
popular, foi isso que fez Kate gostar dele, até que ela viu sob sua máscara de
boa pessoa e descobrir o quão possessivo ele era.
Kate
era jovem, estava no colégio ainda, queria viver a vida intensamente e não se
prender a alguém. Ela queria curtir sua juventude e fazer sua vida valer a
pena.
Após
o funeral Kate foi para casa, louca para se livrar daquelas roupas negras. Após
adentrar em sua residência ela tomou uma ducha e vestiu jeans e uma blusa de
frio cor de rosa. Sentou-se na cama e pegou o laptop, queria navegar na
internet como costumava fazer.
Com
uma caneca de café fumegante ao lado do laptop ela navegava na internet
distraidamente quando ouviu socarem a janela de seu quarto. Ela olhou na
direção do barulho e gritou de horror diante da cena macabra.
CAPÍTULO 2
Kate soluçava quando a mãe
apareceu no quarto e começou a contar aterrorizada que acabara de ver o
namorado morto na janela. A garota aterrorizada disse que Arthur estava coberto
de terra, a pele morena esverdeada e os olhos brancos. Fora tudo tão rápido,
mas a imagem assustadora ficou gravada em sua mente.
Mas
não havia ninguém do lado de fora da casa. Sua mãe, após checar todo o quintal,
disse que era apenas a mente da filha que lhe estava pregando peças. Nada mais.
Naquela
noite Kate dormia inquieta. Era uma noite chuvosa. Ela sempre tinha
dificuldades para dormir com o estrondo dos trovões lá fora. Mesmo com a
cortina fechada, os lampejos das luzes fantasmagórica dos raios reluzia no
aposento.
Então
Kate começou a ouvir algo estranho, como rugidos grotescos, mas baixos. Ela
abriu os olhos, o quarto estava em total escuridão. Os ruídos estavam próximos.
Havia
alguém no quarto com ela?
O
coração de Kate começou a esmurrar seu peito. Ela engoliu em seco. Estava
apavorada. Então ela usou o edredom para cobrir a cabeça, para proteção.
Deveria ser só sua mente. Tinha de ser racional. Pareceu louca mais cedo quando afirmou para a mãe
que o namorado morto veio do túmulo e bateu em sua janela.
Mas
lá estavam os rugidos baixinhos. Grotescos, inumanos. Próximos. De repente ela
ouviu a cama gemer, como se a estivessem empurrando. O sangue gelou em suas
veias. Algo estava vindo. Vindo das trevas para pegá-la.
CAPÍTULO
3
Kate queria gritar,
estava aturdida, espavorida. Podia sentir um cheio ruim de terra molhada. O
cheio enchia o aposento como o perfume fétido da morte. Um grito de horror
explodiu de sua garganta quando ela sentiu mãos frias e ásperas agarrarem suas
pernas, puxando-a.
Os
gritos de Kate explodiram na casa quando ela foi puxada e caiu com um baque
surdo sobre o solo de tábuas corridas.
Os
pais irromperam pela porta instantaneamente, acenderam a luz e fitaram a filha
caída no chão, aterrorizada. Sua mãe ainda ajeitava o robe para cobrir seu
corpo nu.
Apenas
um pesadelo, insistiam os pais novamente, tristes, examinando a filha com olhos
preocupados após nada encontrar no aposento. A filha jurava que mãos frias a
haviam puxado da cama.
***
No outro dia, o romântico
12 de junho, o dia dos namorados, Kate desabafava com uma amiga sobre os
ocorridos. Alice, sua melhor amiga, ouviu toda a história em silêncio.
Era
um sábado a tarde, frio, nublado. As meninas estavam visitando o novo circo que
estava na cidade. Alice acreditava na amiga e sugeriu que fossem na cartomante.
Ela tinha visto uma tenda semana passada quando levou o irmão menor para ver o
show.
Kate
assentiu. Talvez isso pudesse trazer respostas lógicas para aquela loucura
insana. Ela precisava de ajuda para entender aquele horror e se livrar dele
para sempre.
Lá
estava a tenda, com o letreiro vermelho dizendo Madame Zaura. Era uma tenda
velha, maltrapilha, pequena.
As
meninas adentraram o aposento, Kate sentiu um arrepio ao inalar o aroma de
incenso que queimava no ambiente e examinou o pequeno aposento. Havia uma mesa
redonda com uma bola de cristal sobre o tecido vermelho estampado com símbolos
variados e tinha prateleiras de ambos os lados, abarrotadas de coisas.
Um
grito ficou engasgado na garganta de Kate quando uma porta rangeu e uma mulher
velha, baixa, usando um longo vestido rodado veio, saldando-as. Os olhos
medonhos da velha fuzilavam Kate fazendo-a estremecer. Talvez visitar aquela
tenda não tivesse sido uma boa ideia.
CAPÍTULO 4
A velha usava lenço com
lantejoulas na cabeça e seus olhos brancos fitavam Kate cegamente. Sua cara era
gorda, com papadas descendo sob o queixo como vela derretida. Ela se sentou no
pequeno banquinho atrás da mesinha e convidou as meninas a tomarem acento também.
Kate
olhou para a amiga, em silêncio, olhares assustados, tensos, e ambas se
sentaram à frente de madame Zaura.
Antes
que Kate falasse o que veio procurar, em sua voz falha e sinistra, a velha
cartomante mandou ela olhar para a bola de cristal, pois que esta revelaria as
respostas que ela procurava.
Os
olhos de Kate fitaram com horror o interior da bola de cristal, que começou a
girar e imagens começaram a surgir de forma fantasmagórica. Kate olhou com
horror quando o rosto de Arthur, o namorado morto, surgir no interior do
cristal.
Um
assombro gelou o sangue nas veias de Kate quando ela começou a ouvir o sussurro
fantasmal, dizendo que ela pertencia a ele. Que ela era sua. Sua para sempre.
O
sussurro do além era a voz do namorado morto que a chamava da cova.
CAPÍTULO 5
Madame Zaura disse-lhe
que o rapaz não descansaria em seu túmulo até que ele buscasse Kate para sua
nova morada.
Kate
chorou, desesperada, indagando o que poderia fazer para se livrar do
ex-namorado morto.
A
velha mulher cega ficou em silêncio, mexendo os lábios secos pintados de
vermelho, como se murmurasse estranhos dialetos para si mesma.
Então
madame Zaura disse que Kate deveria invadir o cemitério a meia-noite e jogar o
anel de compromisso no túmulo de seu ex. O anel precioso que Arthur lhe dera no
dia em que a pediu em namoro. Só assim Kate se livraria do mal. Enquanto
tivesse o anel o namorado morto se ligaria a ela. Seu fantasma não teria
descanso.
Os
olhos cansados e assustados de Kate fitaram o Anel de brilhante em seu dedo anelar
como se o visse pela primeira vez. Como ela podia ter se esquecido de tirá-lo?
Aquele era um símbolo de amor que a ligava ao namorado morto.
Agora
Kate sabia como se livrar daquele pesadelo de além-túmulo, mas teria ela
coragem suficiente de invadir o cemitério na calada da noite?
CAPÍTULO 6
Kate teve de insistir
com Alice para acompanhá-la até o cemitério naquela noite e profanar o túmulo
de Arthur, para em seguida enterrar o anel que ele lhe dera junto com seu
cadáver. Alice hesitou, mas como não queria passar a noite dos namorados
sozinha em casa com os pais a criticando por não ter um namorado, ela decidiu
ir.
Kate
sabia o que tinha de fazer. Ela precisava desse ritual obscuro para assim
terminar de vez com Arthur, para que ele não tivesse mais assuntos inacabados
no mundo dos vivos.
Na
calada da noite Kate pulou o baixo muro do cemitério e se esgueirou com sua
amiga por entre os túmulos frios submersos por uma densa névoa azulada. Uma lua
cheia, pálida como a face de uma caveira, flutuava no céu negro como carvão.
A
lanterna de Kate tremia em suas mãos frias. Ela se esgueirou pelos túmulos até
a casinha do coveiro. Ela podia ouvir os roncos dele lá dentro. Imaginou como
ele poderia dormir num lugar desses.
O
vento uivava por entre as tumbas frias. O solo estava úmido pela chuva da
tarde. Kate pegou a pá ao lado da casinha do coveiro e foi em direção ao túmulo
de seu namorado. Era hora de lhe dizer adeus para sempre. A amiga andava a seu
lado, como uma sombra silenciosa.
Kate
encontrou o túmulo do namorado, que ficava ao lado de uma árvore de galhos
secos como ossos de um esqueleto e começou a cavar, revezando a pá com a amiga.
A terra molhada era pesada. O suor minava das testas das meninas. Então Kate sentiu
o metal da pá bater na tampa do caixão. Terminaram de cavar e, com suas mãos
frias e trêmulas, as meninas abriram o caixão.
CAPÍTULO
7
Sob a luz da lua cheia
brilhante Kate contemplou a face pálida de Arthur que repousava em seu leito
eterno. Tudo que ela precisava fazer era tirar o anel do dedo, dizer que o
relacionamento estava acabado e jogar a joia dentro do caixão para enterrá-lo
em seguida.
Mas
então, na aflição diante do cadáver, do temor de estar na terra dos mortos à
meia-noite, sozinha com sua amiga, Kate engasgou com horror quando percebeu que
o anel estava preso em seu dedo e um grito explodiu de sua boca quando ela viu
o defunto se erguer do túmulo e agarrá-la ferozmente, puxando-a para as trevas.
Puxando-a para seu túmulo com suas mãos frias, fitando-a com seus olhos brancos
e sem vida e os algodões lhe caindo de suas cavidades faciais.
CAPÍTULO 8
Kate berrava a plenos
pulmões, se debatendo e tentando escapar das mãos gélidas do defunto. Foi quando,
de repente, ela viu a pá afundar-se na cabeça do ex-namorado morto, produzindo
um som doentio de casca de ovo se quebrando e devolvendo-o ao seu túmulo.
Então
mãos fortes ajudaram Kate a sair do caixão. Era um rapaz, jovem e bonito,
estava aturdido com a cena apavorante. Alice, horrorizada estava tombada,
desmaiada junto ao monte de terra.
Finalmente
Kate arrancou o anel do dedo e jogou-o dentro do túmulo. A joia brilhante caiu sobre o peito do defunto
com a cabeça arruinada.
O
rapaz misterioso, jovem, de aparência bonita e um cabelo louro penteado de
lado, ajudou, em silêncio, Kate a enterrar seu ex-namorado.
Alice
se recuperou do desmaio. Arthur estava enterrado. Nada mais poderia trazê-lo de
volta. Kate estava livre daquela paixão obsessiva de além túmulo. Ela se voltou
e agradeceu o jovem rapaz que a ajudou. Ele era lindo com seus olhos azuis
resplandecentes e um sorriso fofo no rosto.
Enquanto o agradecia, Kate reparou nas roupas
que o misterioso rapaz usava, eram antigas e um tanto quanto antiquadas. Ele usava
calça social com suspensório, uma camisa amarelada e terno. Mas havia algo
estranho. Estava tão fora de moda.
Diante
dos olhares intrigados das garotas o rapaz sorriu, pegou a mão de Kate e
beijou-a de forma cordial. Então ele se apresentou. Seu nome era Willian Boover.
Ele elogiou Kate com sua linguagem de época, como um verdadeiro cavaleiro.
Porém ele tinha olhos apenas para ela, ignorando Alice como sela ela não
existisse.
Kate
sentiu um arrepio e se deu conta de que o toque daquele estranho rapaz era frio
como um túmulo e só então sentiu aquele estranho perfume de terra molhada que
exalava dele.
Kate
tentou puxar sua mão, mas ele a manteve segura e começou a se aproximar para
beijá-la nos lábios. Quando ele abriu a boca para um beijo, Kate viu os vermes
começarem a escorrer por seus lábios.
Kate
começou a gritar quando se deu conta de que William não passava de um cadáver
que regressara do túmulo em busca de um grande amor.
Kate
tentou lutar contra William, afastando seu rosto e agitando seus braços para se
libertar daquele aperto gélido. Ela chamou por Alice na esperança de que sua
amiga usasse a pá para golpear a cabeça daquele morto-vivo.
Mas
em sua luta contra o defunto apaixonado, quando conseguiu olhar para o lado, Kate
soube que estavam perdidas naquela maldita noite, pois que Alice estava lutando
para escapar de um defunto gordo que a sufocava com sua enorme língua
semelhante a um verme pegajoso.
Na mais negra das noites, no findar do dia dos
namorados, os mortos se ergueram de suas covas em busca de um grande amor que
pudesse aquecê-los com o calor de suas vidas.
0 Comentários